segunda-feira, 20 de outubro de 2014

A Escrita. Agustina Bessa-Luís. «Infelizmente, a escrita constantemente paradoxal e surpreendente de Agustina ainda não encontrou, pela sua dificuldade, o eco que merece. Mas pode esperar. … é “A Sibila”, título profético no qual Agustina Bessa-Luís profetiza o seu próprio destino e a sua vocação de vidente e visionária»

Cortesia de wikipedia

«De toda sua vida, qual é o instante, o fragmento, o pontinho de luz que mais vezes lhe ocorre para dizer que viver vale a pena? Ter a capacidade de amar alguém ou algo na vida. Ser capaz de pôr nisso todas as forças, toda a capacidade que, no fim de contas é a capacidade para viver». In LER, Outono de 2003.

A Indomável
«Em 1953, uma autora já conhecida de leitores atentos, publica um livro que inaugura uma data na ficção portuguesa contemporânea. O título famoso, como sabemos, é A Sibila, título profético no qual Agustina Bessa-Luís profetiza o seu próprio destino e a sua vocação de vidente e visionária. Esse título representou na época, para quem estava atento, o fim de uma hegemonia que, desde há 15 anos dominava, com razões para isso, o panorama da ficção portuguesa, aquilo a que se chamou neo-realismo. A Sibila não é um romance que se coloque em qualquer oposição, ou ideário, à prática ficcional desse neo-realismo. É um livro que começa num outro lugar. O lugar que não existia antes dele, pela originalidade da história, pela temporalidade ficcional que é a da memória, ela própria tão inventada como realisticamente evocada, em suma, um tipo de ficção que noutras paragens já tinha obras em que Agustina se podia inspirar, mas que ela renovou e preencheu de um tipo de vivências não só da sua memória subjectiva como do inconsciente duma cultura do Portugal mais arcaico, ou melhor, do imemorial. Essa obra foi seguida de uma produção torrencial sempre cedentes na nossa literatura mesmo se nela integramos Camilo, um dos referentes da cultura desse imemorial que ela levará até à sua incandescência. Mais tarde, a cultura portuguesa aperceber-se-á que além da originalidade literária de ASibila enquanto ficção e escrita, uma escrita por vezes aleatória e fantasmagórica, essa obra instaurava sem que ainda se soubesse muito bem uma espécie de longo reinado da literatura feminina em Portugal. No caso dela, mais feminina doque feminista, que Agustina não é nem nessa perspectiva uma ideóloga mas um exemplo da sua ficção povoada de personagens femininas entre as quais a do seu primeiro livro, MundoFechado, que impôs um mundo da mulher até então subalternizado com uma evidência que as suas sucessoras receberam já como uma herança natural. Até porque Agustina tinha demasiado humor para ser feminista, sobre as outras mulheres. E, por incrível que possa parecer e muitas vezes não é entendida, sobre ela própria.
Pouco a pouco, Agustina impôs-se como uma paisagem literária sem igual na nossa literatura com livros como AMuralha, Os Incuráveis, OManto, e mais tarde outros que adquiriram uma segunda vida através do cinema de Manoel d’Oliveira como Fanny Owen ou Vale Abraão impuseram-se e entraram não só no imaginário nacional mas universal. Infelizmente, a escrita constantemente paradoxal e surpreendente de Agustina ainda não encontrou, pela sua dificuldade, o eco que merece. Mas pode esperar. Num livro que particularmente me deslumbrou, Um Cão Que Sonha, Agustina revisita a sua juventude e dá-nos um pouco a misteriosa e insólita perspectiva da sua ficção, como destinada a ser devorada por um outro que será o autor da sua obra em vez dela. Como se ela, que, como é sabido, tão pouco aprecia Fernando Pessoa, inventasse um mito da sua criação proliferante para se converter numa ficção sem autor. E isto pode ser uma fábula que resume o que trouxe realmente de novo Agustina para a ficção da sua época. Menos uma voz que narcisicamente inventa um mundo para se afirmar através dele do que para ser, por assim dizer, a voz anónima das múltiplas memórias do seu universo povoado de figuras cada uma resumindo a extravagância da vida como se fossem seres da natureza indomáveis e imortais. Como ela». In Eduardo Lourenço, Lisboa, 29 de Novembro de 2008.

A Romancista que Sonhou a sua Obra
«Agustina Bessa-Luís continua, como sempre, a passear e acuidar das flores do jardim de sua casa, no Porto, com o Douro ao fundo, uma casa, disse um dia, com fantasmas reais, traduzido sem ruídos, presenças, sinais. A Amarantina pode não voltar a escrever, mas o seu universo ficcional é um território em aberto. A vida prega-nos várias partidas. Às vezes basta só uma para torná-la num tormento, numa boa parte em casos de amor, e a maioria das vezes é muito injusta. A que sofreu Agustina, um acidente vascular cerebral, não tem palavras que a descrevam mesmo que as procuremos nas mais de 60 obras e milhares de páginas com que iluminou a existência dos seus leitores e, como todos os grandes criadores, do mundo. Aconteceu há cerca de dois anos, terminado A Ronda da Noite, o seu último livro, em 19 de Julho de 2006,quando se declarou uma febre persistente, obrigando-a a abrandar todo o trabalho. A Amarantina, era assim que gostava que a tratassem, encerrou, para sempre, a sua actividade literária: deixou de escrever, de ler, como se uma ficção sua se atravessasse no caminho e encontrasse, de novo, o Mundo Fechado, título da primeira novela vinda a lume em1948». In Carlos C. Leme, Revista LER, Janeiro de 2009.

In Revista Ler, Agustina Bessa-Luís, Eduardo Lourenço, Carlos C. Leme, Outono, 2003, Wikipedia.

Cortesia revista LER/JDACT