quinta-feira, 28 de maio de 2015

Nuno Álvares Pereira. Miguel Martins. «Com 16 anos, o pai terá, então procurado assegurar-se do seu futuro. Foi assim que, com grande relutância, Nuno Álvares casou com dona Leonor Alvim, uma rica viúva detentora de um património considerável na região a norte do Douro»

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O filho do Prior do Crato
«Filho ilegítimo de Álvaro Gonçalves Pereira, Prior do Hospital, e de dona Iria Gonçalves Carvalhal, Nuno Álvares nasce nos paços de Cernache de Bonjardim em Junho de 1360, sendo legitimado logo no ano seguinte, na mesma altura que os seus irmãos Fernão e Lopo. Boa parte da sua infância foi passada junto do pai e, por isso, num ambiente profundamente militarizado como era o daquela ordem militar. Terá sido nesse meio, certamente entre os castelos do Crato, sede da Ordem em Portugal, e da Amieira e o mosteiro fortificado de Flor da Rosa, que se iniciou nas leituras de romances de cavalaria, em particular das lendas arturianas, onde teria encontrado o seu modelo de perfeição cavaleiresca na figura de Galahad. Com os Hospitalários terá também aprendido os primeiros ensinamentos da arte de cavalgar e do manuseio de armas, que mais tarde viria a aperfeiçoar pela mão do tio e aio, Martim Gonçalves Carvalhal. Mas a presença junto do pai tê-lo-á também posto desde muito cedo em contacto com uma outra faceta menos romântica da guerra, através do convívio com outros cavaleiros, portugueses, mas também alguns estrangeiros. Muitos deles seriam mesmo veteranos que nessas ocasiões davam certamente conta das suas aventuras, relatando campanhas, batalhas e cercos, que muitas vezes serviam de mote para o debate de assuntos relacionados com táctica e estratégia militar. De tudo isso Nuno Álvares seria um ouvinte atento, imaginando-se decerto na pele desses guerreiros e sonhando poder vir, um dia, a protagonizar o mesmo tipo de façanhas. A tudo isto não terá sido alheio o papel desempenhado pelo próprio Álvaro Gonçalves Pereira que, apercebendo-se do interesse e das capacidades reveladas por seu filho, procurou também desenvolver todas essas apetências. Recorde-se, por exemplo, o episódio em que o mandou, com o irmão Diogo Álvares, observar a hoste castelhana comandada pelo rei Enrique II, quando esta, em Janeiro de 1373, ou seja, em plena Segunda Guerra Fernandina, passava nas imediações de Santarém, em direcção a Lisboa. Questionado acerca do que testemunhara, Nuno Álvares terá desde logo causado impacto nos presentes ao responder entusiasticamente que o inimigo, que avançava mal comandado, sem quaisquer cautelas defensivas, pouco disciplinado e excessivamente confiante, poderia ser facilmente desbaratado.
O atrevimento deste jovem de apenas 13 anos de idade terá impressionado a rainha dona Leonor Teles, mulher de Fernando I, que insistiu para que fosse ela própria a armá-lo como seu escudeiro. Para a cerimónia, Nuno Álvares envergou o arnês usado por João quando ascendera, em 1364 e com apenas sete anos, à dignidade de Mestre de Avis, já que era o único que se ajustava ao seu tamanho franzino. De facto, o futuro condestável nunca será um homem de estatura muito elevada, como se depreende da variada iconografia, embora toda ela posterior, que o representa quase sempre como uma figura baixa e de cabelos claros, mas deixando já antever alguma calvície, como se observa na gravura de abertura da edição de 1526 da Crónica do Condestável. A partir daquele momento, como escudeiro da rainha e sob a orientação do tio, Martim Gonçalves Carvalhal, terá passado a residir na corte régia, onde aperfeiçoou a sua educação militar. Com 16 anos, o pai terá, então procurado assegurar-se do seu futuro. Foi assim que, com grande relutância, Nuno Álvares casou com dona Leonor Alvim, uma rica viúva detentora de um património considerável na região a norte do Douro e de quem teve dois filhos, que morreram à nascença, e uma filha, dona Beatriz. Os seus primeiros anos de vida adulta terão, portanto, sido passados no Norte do reino, na zona de Basto, onde levaria um estilo de vida característico de um pequeno fidalgo de província, dedicado, acima de tudo, à gestão do seu património. Mas toda esta tranquilidade, que certamente pouco lhe terá agradado, estava prestes a chegar ao fim, com a deflagração da Terceira Guerra Fernandina, no Verão de 1381.

Em busca do baptismo de fogo
Por essa altura, o seu irmão Pedro Álvares Pereira é designado pelo monarca Fernando I para desempenhar as funções de fronteiro-mor em Portalegre. Consigo vinha também o jovem Nuno Álvares, acompanhado por uma pequena mesnada formada por 25 cavaleiros e 30 peões. Porém, cedo Nuno Álvares terá ficado desapontado com a excessiva prudência revelada pelos comandantes portugueses, pouco dispostos a enfrentar o inimigo. A passividade e a indecisão das forças lideradas por Gonçalo Vasques Azevedo e Pedro Álvares foi tal, que não esboçaram sequer qualquer reacção às incursões lançadas contra Pavia e Coruche ou mesmo quando o inimigo pôs cerco à vila de Elvas». In Miguel Gomes Martins, Guerreiros Medievais Portugueses, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-486-4.

Cortesia Esfera dos Livros/JDACT