sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

À Volta do Casamento do Infante Pedro. Douglas Mota X. Lima. «… no entanto, se a memória foi considerada, a face humana do infante Pedro continua um tanto obscura. Carente de um estudo biográfico aprofundado, a biografia do infante foi prometida por Veiga Simões no início do século XX…»

Cortesia de wikipedia

«Há pouco mais de quarenta anos o historiador português António Joaquim Dias Dinis publicava, na Revista Portuguesa de História da Universidade de Coimbra, o célebre artigo À volta do casamento do infante D. Duarte (1409-1428). As páginas de Dias Dinis permanecem como principal reflexão acerca do casamento do Eloquente, expressão ímpar da política ibérica e matrimonial de João I. Ocorrido no mesmo ano, o enlace do infante Pedro também envolveu as relações ibéricas, porém ainda se mostra envolto em lacunas. Dito isso, aproveitamos as quatro décadas do belo estudo de Dias Dinis para tecer alguns apontamentos sobre o casamento do infante Pedro. Todavia, antes de discutir directamente o enlace, é importante apresentar considerações acerca do próprio Infante na historiografia e da política matrimonial de João I.
Mesmo com os inúmeros estudos sobre o período avisino realizados nos últimos séculos, a figura do infante Pedro permanece ofuscada. Sexto filho de João I e quarto da união com dona Filipa de Lancaster, o infante Pedro nasceu em 09 de Dezembro de 1392, e tornou-se duque de Coimbra na sequência da conquista de Ceuta (1415). Foi um dos expoentes da aclamada Ínclita Geração, em grande parte devido à viagem pela Cristandade (1425-1428), aos seus escritos e traduções e à actuação política em Portugal. Foi regente do reino (1439-1448) durante a menoridade de Afonso V, sendo morto na Batalha de Alfarrobeira (1449). Com esta síntese biográfica, verifica-se que a personagem teve a sua vida marcada pelos espaços do poder e que os seus feitos ficaram registados na história portuguesa (foi membro destacado da chamada Ínclita Geração, cultor de mérito no âmbito das ciências e das letras, e elemento preponderante da cultura medieval portuguesa, responsável porventura pelo alvorecer das ideias humanistas em Portugal, na sequência das suas muitas viagens que o tornaram conhecido como Infante das Sete Partidas), no entanto, se a memória foi considerada, a face humana do infante Pedro continua um tanto obscura.
Carente de um estudo biográfico aprofundado (a biografia do infante foi prometida por Veiga Simões no início do século XX, mas não chegou a ser publicada, visto que o autor faleceu em 1954; até o momento, uma obra global da vida de Pedro permanece aguardando seu investigador, existindo apenas a recente e sucinta obra de Alfredo Pinheiro Marques, Vida e Obra do Infante D. Pedro; sabemos, contudo, que a PhD Ana Maria Rodrigues, da Universidade de Lisboa, prepara uma biografia do infante a ser lançada nos próximos anos), os vestígios acerca da vida do infante permanecem muito dispersos. Elementos relativos aos traços físicos e à formação durante a infância e juventude são raros, sendo o recurso frequente a adopção da descrição de Rui Pina, escrita no século XVI (das feições, costumes e virtudes do infante Pedro; neste, assim caracteriza o infante Pedro: o infante D. Pedro por certo foi um singular Principe, dino de louvor entre os bons e louvados Principes que no mundo em seu tempo houve, homem de grande corpo, e de seus membros em todo bem proporcionado, e de poucas carnes; teve o rosto comprido, nariz grosso, olhos um pouco moles, os cabellos da cabeça crespos, e os da barba algum tanto ruivos como inglez; seu andar a pé era vagaroso e com grande repouso, suas palavras eram graciosas, com doce órgão de dizer, e nas sentenças mui graves e sustanciaes, e quando alguma sanha o tocava era sua cara mui temerosa, e porém não lhe durava muito, cá por siso ou condição natural, logo se lembrava de mansidão e temperança; foi algum tanto culpado em credeiro e vingativo, ainda que o desejo de vingança pareceu que não foi n’elle de grande e vicioso ardor, pois dilatou e temperou a que teve em sua mão, que para sua vida fôra mui segura e necessária; a descrição do cronista português é marcante, contudo há outra exposição que não convém ser descartada; trata-se da versão latina da conquista de Ceuta, escrita por Mateus Pisano, por volta de 1460 e somente editada em 1790; no texto, assim o duque de Coimbra é descrito: o infante Pedro, nascido em segundo lugar, foi desde a infância muito dedicado ao estudo das sagradas letras e das outras boas artes, e tanto, ainda em moço, se distinguiu por seu espírito de justiça, por sua liberalidade, comedimento e valor, que atraía sobre si as vistas de todos, dando esperança de vir a ser um grande príncipe). Mesmo com tais carências é possível estabelecer três eixos principais dos estudos sobre Pedro: o primeiro é relativo ao livro de viagens, Libro del Infante D. Pedro de Portugal, o qual lhe proporcionou o epíteto de Infante das Sete Partidas; o segundo está relacionado com os aspectos culturais, traduções e escritos, sendo o livro da Virtuosa Benfeitoria e a Carta de Bruges, os ícones dessa actuação; por fim, o conjunto de sua acção política, que se concentra no período em que o mesmo foi regente de Portugal (1439-1448). Ao longo das nossas pesquisas sobre o Infante, as lacunas relativas à viagem nos chamaram atenção, fazendo ainda notar o silêncio acerca do casamento.
Ao lidar com as crónicas escritas sobre a primeira metade do século XV, poucos são os dados relativos à vida de Pedro. A Crónica de D. João I abarca as primeiras décadas de Quatrocentos, centrando-se no processo da revolução de Avis e nas figuras de João e do Condestável do reino, Nuno Álvares Pereira, informando apenas sobre o nascimento dos filhos do Mestre e a relação familiar. A Chronica do Condestabre de Portugal, por sua vez, fixa-se na figura de Nuno Álvares, citando brevemente o Infante cavalgando ao lado de João I após a conquista de Ceuta. A Chronica dos feitos, vida, e morte do Iffante Sancto Dom Fernando que morreo em Fez não traz informações sobre o duque de Coimbra. As crónicas de Zurara, com destaque para a Crónica da Tomada de Ceuta, apresentam mais relatos sobre Pedro, contudo, pelo facto de o cronista, servidor da casa do infante Henrique, escrever no contexto de Alfarrobeira, o texto limita a participação do infante no ataque de 1415». In Douglas Mota Xavier Lima, À volta do casamento do infante Pedro, UFOdoPará, ICE, PCHumanas, Santarém, Brasil, Revista Medievalista, Nº 21, Janeiro-Junho 2017, Universidade Nova de Lisboa, FCS e Humanas, FC e Tecnologia, ISSN 1646-740X.

Cortesia da RMedievalista/FCT/JDACT