domingo, 22 de janeiro de 2017

O Vírus Mona Lisa. Tibor Rode. «Onde está o Claude?, perguntou Helen. Teria gostado de ver a reacção dele à fracassada experiência da ressonância magnética e de lhe prestar um esclarecimento conclusivo»

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«(…) Sim, sim, já vou. Over!,ressoou a voz de Betty, com um misto de consternação e de preocupação. O campo de visão de Helen coloriu-se de um lilás-amarelado.
O pensamento de que, sozinha, não conseguiria libertar-se do interior da máquina assustou-a ainda mais. Sentiu o suor frio a brotar-1he de todos os poros. O coração começou a bater muito depressa. O interior da máquina era demasiado apertado. E se faltasse a electricidade? Quando tempo teria de ficar deitada às escuras? As pancadas e o zumbido pararam de repente e a máquina estremeceu e sacudiu-se. A parte de cima começou lentamente a mover-se, e Helen ouviu o som chiante do sistema de abertura automática enquanto a plataforma em que estava deitada começou a sair de dentro da máquina. A electricidade não falhara. Sentiu um alívio enorme. Duas mãos abriram-lhe a armação que lhe rodeava a cabeça e Helen viu o rosto de Betty. Que contraste com a anterior visão que ainda momentos antes pairara sobre ela! Rodeados de sardas. dois olhos verdes, tristes e preocupados, olharam-na de cima. E depois Helen sentiu no pescoço as cócegas provocadas pelos caracóis ruivos de Betty.
Está tudo bem contigo?, perguntou Betty, de testa franzida. Ajuda-me a levantar, gemeu Helen, estendendo as mãos na direcção da colega. Os dedos húmidos quase deslizaram das mãos de Betty. Quando finalmente se endireitou, Helen sentiu-se entontecida. Pela primeira vez em minutos, teve a sensação de que conseguia voltar a respirar. Era melhor guardar a verdade só para si. Sendo chefe de um projecto de pesquisa de uma envergadura tão grande não se podia dar a estas fraquezas. Preciso de ir urgentemente à casa de banho. Bebi demasiado chá hoje de manhã, afirmou, soltando-se dos cabos. Reparou como Betty a observava com ar pensativo. E inquiriu-a, a rir-se: o que é? Esperou que a sua voz não soasse demasiado artificial. Acreditas que eu tenho medo de estar dentro de uma máquina de ressonância magnética? Esta coisa é a minha vida! Betty coçou a testa. Apertaste a bola da emergência... Porque me senti desesperada!, retorquiu Helen, e abanou a cabeça com ar divertido. Talvez por causa do calor. Não sabes como é? Para dar ênfase às suas palavras, apertou os joelhos um contra o outro, como uma criança, e dirigiu-se para a porta com movimentos desajeitados. Regista os valores que obtivemos até agora. Volto já, disse a Betty, antes de desaparecer pelo corredor fora. A casa de banho não ficava longe.
A água fria com que humedeceu o rosto fez-lhe bem. Gemeu devido à sensação de frio, mas também pelo alívio que sentiu. Ocorrera precisamente o desastre que tanto tinha receado durante anos. Sentiu o sangue a concentrar-se no rosto. Mas não podia ficar a sentir-se envergonhada. Havia dentistas que tinham medo de tratamentos dentários. Polícias que conduziam carros depressa demais. E havia até uma especialista em neuroestética que se enchia de pânico na cabina da máquina de ressonância magnética. Helen enxaguou o rosto com os toalhetes de papel rijo, que tinham um cheiro sulfuroso, olhou para o espelho, de relance, ajeitou o cabelo e regressou à sala de controlo. Cortaria pela raiz qualquer conversa sobre o que sucedera. Era a vantagem de estar ao comando dos acontecimentos. Betty encontrava-se sozinha, sentada numa consola que fazia lembrar o cockpit de um avião. Atrás de um painel de vidro, via-se o agora inútil tomógrafo de ressonância magnética. Betty concentrava toda a sua atenção num enorme monitor. Onde está o Claude?, perguntou Helen. Teria gostado de ver a reacção dele à fracassada experiência da ressonância magnética e de lhe prestar um esclarecimento conclusivo. Antes que o assunto se fosse espalhando por entre os colegas. Deve ter ido comer alguma coisa rapidamente, respondeu Betty, absorta. Estavam lá dois tipos de fato, disse Helen. Era necessário agir normalmente. Pensei que te agradasse.
Helen massajou as têmporas. Imaginou estar ainda a ouvir um ligeiro zumbido. Os barulhos dentro da máquina dão cabo de uma pessoa, afirmou. São muito mais intensos lá dentro. São mesmo psicadélicos! Betty ergueu uma bolsa onde meteu um CD sem desviar os olhos do monitor. Helen decifrou as palavras Magnetic Sounds. O Claude recolheu o som da ressonância magnética e gravou-o no CD, explicou Betty. Quando faz a mistura do som e depois o ouve no carro, acha que é melhor do que música ambiente. Até me perguntou se eu queria cantar qualquer coisa para acompanhar. Helen sorriu. Que havia alguma coisa entre Betty e Claude era uma coisa de que há muito suspeitava. A mim não me disse nada, disse. Betty riu-se e retorquiu: talvez receasse ter problemas por causa disso. Isto aqui não é nenhum estúdio de som». In Tibor Rode, O Vírus Mona Lisa, 2016, Topseller, 20/20Editora, 2016, ISBN 978-989-883-989-3.

Cortesia de Topseller/20/20E/JDACT