quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Xeque-mate da Rainha. Elizabeth Fremantle. «Surrey, o que acha? Seymour mordeu a língua. Surrey e William começam a rir, e ela perde a cabeça à procura de uma resposta, então anuncia: e pode ser sua ruína»

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Palácio de Whitehall. Londres. Março de 1543
«(…) Margaret, diz Surrey, tomando a mão de Meg. Conheci seu pai. Era um homem notável. Era, sim, ela murmura com um sorriso vago. Não me vai apresentar a sua irmã? Um homem se levanta, alto, quase tanto quanto Surrey. Tira a boina de veludo adornada por uma pena de avestruz enorme que balança e dança com o floreio desnecessário da mesura. Katherine suprime uma risada que surge do nada. Ele está vestido de forma espectacular, um gibão de veludo preto com seda vermelha saindo pelas fendas e uma gola de zibelina. Parece se dar conta de que ela reparou na zibelina, pois levanta a mão para acariciá-la, como para enfatizar sua posição. Katherine se esforça para lembrar a lei sunptuária e quem tem direito de usar zibelina, tentando identificar onde ele se encaixa. As mãos dele estão carregadas de anéis, além do bom gosto, mas seus dedos são belos e finos e passeiam entre a zibelina e a boca. Ele põe o dedo do meio sobre o lábio inferior deliberadamente devagar, sem sorrir. Mas seus olhos, azuis, obscenamente azuis, e seu olhar directo, desarmador, fazem Katherine corar. Ela o olha nos olhos só por um instante e nota uma ligeira agitação, mas em seguida encara o chão. Ele piscou para ela? Que insolência. Piscou para ela. Não, deve ter sido a sua imaginação. Mas então porque está imaginando esse tolo empertigado piscando? Thomas Seymour, esta é minha irmã, lady Latymer, anuncia Will, que parece estar se divertindo com o que quer que tenha acabado de acontecer. Ela deveria ter percebido. Thomas Seymour é publicamente conhecido pelo dúbio título de homem mais perfeito da corte, objecto incessante de bisbilhotice, paixões juvenis, corações partidos, discórdia entre casais. Admite para si mesma os seus atractivos; é uma beldade, isso é inegável, mas ela não será enfeitiçada pelos seus encantos, já viveu demais para isso. É uma honra, senhora, diz ele com uma voz macia como manteiga batida, finalmente conhecê-la afinal. Surrey revira os olhos. Então não estou perdendo nada, pensa ela. Finalmente e afinal! Escapa da sua boca antes que consiga impedir; não consegue suprimir a vontade de pôr aquele homem no seu lugar. Meu Deus! Põe a mão sobre o peito fingindo estar exageradamente surpresa. De facto, senhora, ouvi falar de sua beleza, ele continua calmamente, e ver-me diante dela me deixa sem fala. Ela se pergunta se, por beleza, ele se refere à sua recém-adquirida fortuna. Notícias de sua herança devem ter circulado. Will, por exemplo, não consegue manter a boca fechada. Sente um repente de raiva pelo irmão e seu falatório. Sem fala? Este é um galanteador, pensa, procurando uma resposta mordaz. Mantém o olhar firme na sua boca, sem ousar olhá-lo nos olhos novamente, mas sua língua rosada e húmida aparece, perturbadora. Surrey, o que acha? Seymour mordeu a língua. Surrey e William começam a rir, e ela perde a cabeça à procura de uma resposta, então anuncia: e pode ser sua ruína.
Os três homem olham-se e depois começam na gargalhada. Katherine sente-se triunfante; a sua inteligência não a abandonou, nem mesmo frente a essa criatura perturbadora. Meg olha espantada para a madrasta. Não teve muitas oportunidades de ver essa Katherine, a dama da corte perspicaz. Katherine sorri para Meg, tranquilizando-a, enquanto Will a apresenta a Seymour, que olha para ela como se fosse comestível. Katherine pega na sua mão, dizendo: venha, Meg, vamos-nos atrasar para ver lady Mary. Tão breve e ainda assim tão doce. Seymour sorri, afectado. Katherine o ignora, dá um beijo no rosto de Surrey e, ao se afastar, dá meia-volta e abaixa a cabeça na direcção de Seymour, por polidez. Vou acompanhá-las, diz Will, deslizando entre as duas e dando um braço a cada uma. Eu gostaria que você não discutisse minha herança com seus amigos, Katherine diz sibilante, quando estão nas escadarias, fora do alcance dos outros. Acusa rápido demais, irmã. Eu não disse nada. A notícia acabou por se espalhando, era inevitável, mas… Ela o interrompe. Então o que era tudo aquilo sobre a minha famosa beleza? Kit, ele ri, realmente acho que ele estava referindo-se à sua beleza. Ela tosse. Precisa ser sempre a irmã mais velha mal-humorada? Desculpe, Will. Tem razão, não é culpa sua que as pessoas estejam comentando. Não, sou eu quem tem que pedir desculpas. As coisas têm sido difíceis para você. Ele segura a seda preta do vestido dela entre os dedos. Está de luto. Eu deveria ter tomado mais cuidado». In Elizabeth Fremantle, Xeque-mate da Rainha, 2013, Editora Paralela, Editora Schwarcz, 2016, ISBN 978-858-439-003-8.

Cortesia de EParalele/ESchwarcz/JDACT