terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Cultura no 31. À volta do casamento do infante Pedro. Douglas Mota Xavier Lima. «… entam juntamente com o infante Eduarte seu Irmao requererom a seu Padre licença, a qual lhe de todo foi denegada…»

Cortesia de wikipedia

«(…) Acrescenta-se que, mesmo trazendo mais vestígios acerca das acções de dom Pedro, esta crónica informa pouco sobre a sua juventude. A Crónica do Conde Dom Pedro de Menezes apresenta algumas menções ao Infante, sendo interessante por mostrá-lo ajudando na defesa do reino perante possíveis ataques de Castela, e por indicar um zelo de João I com o filho que queria participar na campanha de socorro enviada a Ceuta (o cronista menciona que dom Pedro foi pelas suas terras levando notícias da organização da campanha de auxílio a Ceuta; o mesmo tinha muita vontade de integrar a campanha, chegando a tentar disfarçar-se para embarcar nos navios que partiriam; no entanto, após ser descoberto o Infante foi requerer permissão do rei para seguir com as tropas; eis a descrição de Zurara sobre a resposta de João I: entam juntamente com o infante Eduarte seu Irmao requererom a seu Padre licença, a qual lhe de todo foi denegada, mandando, que todavia o Infante Dom Enrique partisse logo com a frota, como ante tinha determinado; e que o Infante Eduarte, e o Infante Pedro se fossem ambos ao Algarve, e hy ouvessem seu conselho, e o que lhes parecesse, pozessem em obra; por mais que o trecho indique que somente dom Henrique foi designado para chefiar a campanha, em nenhum momento transparece que o rei visava prejudicar de alguma forma o filho Pedro; antes parece que monarca João I buscou, nesse contexto, proteger os dois filhos mais velhos de qualquer incidente na campanha africana; assim, afirma-se a ideia de zelo do rei que procurava resguardar os herdeiros directos da coroa e manter a protecção militar do reino).
Para além dos textos cronísticos citados, os principais documentos acerca do Infante provêm da chancelaria régia e demarcam a formação do seu património em torno de Coimbra, concentrando-se no período regencial. Todavia, essa especificidade das fontes prejudica uma visão global e mais detalhada, itinerários, contactos, actuação na Corte, do seu percurso de vida (Baquero Moreno, por exemplo, publicou um estudo acerca dos itinerários do Infante, no entanto, se restringiu ao período da regência (Os itinerários do Infante D. Pedro 1438-1449; na mesma obra, Moreno considera que o largo período entre o nascimento e a morte de Duarte I constitui uma etapa da vida do Infante que mal se conhece e tantas vezes se distorce em função de uma atitude raras vezes isenta de algum preconceito, O Infante Pedro e o ducado de Coimbra). Assim como João I e Duarte I, Pedro também se afirmou como escritor de importantes tratados e epístolas, além de actuar como tradutor. A sua obra mais conhecida é a Virtuosa Benfeitoria, e entre os textos destinados ou oferecidos ao irmão e futuro rei, soma-se o Livro dos Ofícios. Por fim, uma das faces mais citadas da intervenção epistolar do Infante, a Carta de Bruges, escrita durante a sua passagem pela Flandres, oferece indícios da sua actuação na corte portuguesa. No início da carta o Infante informa a origem da fonte, ou seja, um pedido enviado por Duarte I, indicando também que a prática de dar conselhos ao irmão era anterior à escrita da epístola (per vos me foy mandado em hu uosso regymento que despois que fose em esta terra uos fizesse hu escrito d aujsamento tal como o outro que me vos destes). A carta mostra a habilidade político-administrativa de dom Pedro e demarca a sua actividade como conselheiro, o que permitiu que fosse visto como um representante mais qualificado deste pré-renascimento cultural em Portugal. Observa-se que a produção das obras se insere num período de quinze anos (1418-1433) e auxilia-nos na inserção histórica do Infante no contexto anterior e subsequente ao casamento. Destarte, tal como Baquero Moreno, reafirma-se que são escassas as informações sobre a instrução recebida e as experiências vivenciadas entre 1392 e 1415, ano do nascimento e da conquista de Ceuta, respectivamente, e mesmo acerca do período que vai até 1438, início da regência de dom Pedro em Portugal.
É ponto comum na historiografia portuguesa, sob o peso das palavras de Oliveira Martins em Os Filhos de D. João I, a defesa de que a primeira metade do século XV foi marcada pela actuação ímpar dos ínclitos infantes de Avis. Nesse quadro laudatório, os casamentos são pouco explorados, com excepção do enlace de dona Isabel, porém permitem-nos observar a política matrimonial do monarca João I. O novo rei português, ainda na posição de Mestre de Avis, fora pai duas vezes, Afonso (c. 1380) e Beatriz (c. 1382), sendo essa descendência ilegítima usada como base para o alargamento da política matrimonial. Nesses anos de afirmação dinástica e ainda sem contar com filhos da rainha dona Filipa em idade nubente, o novo monarca estabeleceu uma estratégia familiar capaz de promover um fortalecimento interno, casamento de Afonso, e uma ampliação das relações externas, consórcio de Beatriz (o casamento de dona Beatriz, filha natural de João I, com Thomas Fitzalan, conde de Arundel, paradigma documental da negociação de uma aliança)». In Douglas Mota Xavier Lima, À volta do casamento do infante Pedro, UFOdoPará, ICE, PCHumanas, Santarém, Brasil, Revista Medievalista, Nº 21, Janeiro-Junho 2017, Universidade Nova de Lisboa, FCS e Humanas, FC e Tecnologia, ISSN 1646-740X.

Cortesia da RMedievalista/FCT/JDACT