segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Inverno Russo Daphne Kalotay. «E, no entanto, Nina aprovava. Embora a maior parte das pessoas conhecesse a expressão “sofrer para se ser bela”, havia poucas que a seguiam verdadeiramente»

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Lote 7
«Brincos de Diamante. Diamante pesando aproximadamente 1.64 e l.61 cts. (o peso dos diamantes é medido em carats ou quilates. Um carat divide-se em 100 pontos, e assim por exemplo, um diamante de 75 pontos pesa 0.75 carats. No entanto, dois diamantes de tamanho semelhante podem ser de valor diferente, dependendo da sua lapidação, cor e pureza), lapidação em brilhante, engastado em armação de quatro pontas. Cor e pureza de H /VS2, armação de 18 quilates de ouro branco, marcas do contraste russas. 20 000 - 22 000 dólares».

«A tarde estava tão cinzenta e fria, que poucos transeuntes passavam pela longa ilha de árvores que dividia a avenida Commonwealth; e até pequenos cães, impacientemente arrastados pelos seus donos, usavam capas térmicas e exibiam expressões ofendidas. De uma janela de um terceiro piso do lado norte da rua, por cima de varandas de ferro forjado que há muito tinham adquirido uma tonalidade de menta claro, Nina Revskaya olhava a rua. Em breve o sol, o pouco que restava dele, iria abandonar os seus esforços sombrios, e os candeeiros da rua iriam brilhar tristemente ao longo daquela fileira de edifícios de pedra bem tratados. Nina tentou inclinar-se mais para a frente, para ver melhor o passeio abaixo de si, mas a rigidez do seu pescoço voltou a fazer-se sentir. Como a cadeira de rodas não lhe permitia aproximar-se mais, aguentou a dor e inclinou-se para a frente. O seu hálito embaciou o vidro. Esperava detectar a sua visita antes que esta chegasse, para poder estar bem preparada. O frio ergueu-se-lhe até às faces. Vinha ali alguém, mas não, era uma mulher e demasiado jovem. Os saltos das suas botas emitiam um som ritmado, solitário. Nesse momento, a mulher deteve-se, pareceu procurar uma morada. Nina deixou de a ver quando ela se aproximou da entrada do edifício. Decerto que aquilo não podia estar certo, embora naquele momento a campainha da porta tivesse tocado.
De costas rígidas, Nina empurrou lentamente a cadeira para longe da janela. No átrio, de testa franzida, premiu o botão do intercomunicador. Sim? Drew Brooks, da leiloeira Beller. Aquelas raparigas americanas, a exibirem-se com os seus nomes masculinos. Suba, por favor. Apesar de consciente do seu sotaque e do som seco da sua voz, sentia-se sempre chocada ao ouvi-la. Mentalmente, as suas palavras surgiam-lhe sempre claras e brilhantes. Empurrou a cadeira para a frente para destrancar e abrir a porta, e esperou pelo elevador. Mas apenas ouviu passos a subirem as escadas, a tornarem-se mais elevados, mais próximos, até se transformarem em Drew, num casaco de lã elegante, as faces rosadas do frio, e uma sacola de cabedal pendurada de uma alça diagonalmente atravessada no ombro. Tinha uma boa altura, uma postura de dignidade; e estendeu a mão, ainda com a luva calçada. Começou, pensou Nina, ligeiramente deprimida. Iniciei o processo. Com articulações latejantes, Nina apertou por instantes a mão estendida. Entre, por favor. É um prazer conhecê-la, miss Revskaya. Miss, como se ela fosse uma secretária. Pode tratar-me por Nina. Olá, Nina. A rapariga esboçou um sorriso surpreendentemente encantador, e rugas formaram-se-lhe no canto dos olhos. Nina percebeu que ela era mais velha do que lhe parecera inicialmente. As pestanas eram escuras, o cabelo acobreado enfiado atrás das orelhas. Lenore, a nossa directora de joalharia, lamenta não ter podido vir, estava ela a dizer, enquanto tirava as luvas. Os seus dois filhos ficaram doentes com qualquer coisa.
Pode pendurar aqui o casaco. A rapariga despiu o casaco para revelar uma saia curta e uma camisola de gola alta justa. Nina avaliou a saia, as pernas longas, as botas de cano curto e as meias transparentes. Pouco prática, a mostrar as pernas com um tempo daqueles. E, no entanto, Nina aprovava. Embora a maior parte das pessoas conhecesse a expressão sofrer para se ser bela, havia poucas que a seguiam verdadeiramente. Vamo-nos sentar no salão. Nina virou a cadeira de rodas, e uma dor aguda atravessou-lhe as rótulas. Era sempre assim, a dor, repentina e indiscriminada. Sente-se, por favor. A rapariga sentou-se, e cruzou as pernas com as suas meias finas. Sofrer pela beleza. Era uma das expressões mais verdadeiras que existiam, uma que Nina seguira ao máximo, a dançar sobre dedos dos pés torcidos e ancas com reumático, com pneumonia e febre. E quando ainda era jovem, em Paris e depois em Londres, também cumprira uma sentença com vestidos esmerados e saltos traiçoeiros, e nos anos 60 aqueles fatos saia e casaco, desesperadamente ásperos, que pareciam ter sido confeccionados a partir dos tecidos dos estofos de mobiliário». In Daphne Kalotay. Inverno Russo, 2010, Publicações dom Quixote, Livros D’Hoje, 2010, ISBN 978-972-204-353-3.

Cortesia de PdonQuixote/JDACT