domingo, 10 de junho de 2018

A Armada do Papa. Gordon Urquhart. «O Focolare foi criado na cidade de Trento, no norte da Itália, em 1943, no auge dos bombardeamentos aliados, por uma professora de ensino primário»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Frustrados no seu inquérito, eles pressionaram o vigário e o abade para convocar uma reunião extraordinária do Conselho Paroquial a fim de discutir a divisão que ia aumentando no meio deles. Uma assistência recorde de mais de 200 paroquianos indicava a inquietação generalizada provocada pela presença de um corpo elitista e secreto no seio da sua comunidade. Eles mostravam-se preocupados pelo facto de o vigário dedicar a maior parte do seu tempo à comunidade do NC, levando o resto da paróquia a sentir-se como cidadãos de segunda classe. O grupo de oposição mais cerrada elaborou uma lista de vinte e cinco questões graves, reflectindo assim a convicção crescente de que, embora o movimento aparentemente estivesse operando na paróquia com a aprovação das autoridades eclesiásticas competentes, os métodos utilizados eram métodos de seita. Entre as acusações mais sérias figuravam: relatos sobre utilização de técnicas de lavagem cerebral nos membros; sessões de confissão em grupo; grandes reivindicações feitas em favor do movimento que se auto-intitula o Caminho; e o muro de segredo que cerca a hierarquia do movimento, as suas finanças e o prolongado treinamento dado aos recrutas. O encontro permitiu que estas irregularidades fossem esclarecidas em discussões de grupos com os membros do NC, mas não foi possível obter nenhuma resposta satisfatória. Na verdade, é improvável que os próprios membros do NC, no plano paroquial, tivessem respostas; pois, seguindo a linha de comportamento comum a muitas seitas, a informação é estritamente dosada de acordo com a categoria dos membros.
Embora os membros do NC em Ealing tivessem recusado, ou fossem incapazes de discutir alguns pontos detalhadamente, eles tinham uma resposta-chave que valia para tudo. Esta resposta-chave era o apoio irrestrito ao seu movimento, manifestado nos níveis mais altos da autoridade da igreja: desde o bispo auxiliar da diocese de Westminster, responsável pela área, que na época era Dom Mahon, até, o que era realmente muito mais importante, o próprio papa João Paulo II. Como prova disto, eles tinham um livro reservado em que se encontravam os inúmeros discursos de incentivo pronunciados pelo próprio papa em favor das comunidades do NC nas paróquias de sua própria diocese de Roma. O tom do papa nestes discursos é absolutamente entusiástico: é assim que vejo a génese do Neocatecumenato, a génese do Caminho: alguns espantam-se (....) procurando saber de onde veio a força da Igreja primitiva, e de onde vem a fraqueza da Igreja de hoje, numericamente muito maior. Penso que a resposta está no Catecumenato, neste Caminho (...) em vossas comunidades podem realmente ver como é do baptismo que crescem todos os frutos do Espírito Santo, todos os carismas do Espírito Santo, todas as vocações, toda a autenticidade da vida cristã, no casamento, no sacerdócio, nas diferentes profissões, no mundo, finalmente no mundo.
Postos diante da contradição entre as palavras do papa e aquilo que eles tinham vivido por experiência própria, os paroquianos da Abadia de Ealing que se opunham ao NC concluíram que, das duas uma: ou o papa não sabia daquilo que eles sabiam ou, de alguma maneira, ele havia sido enganado. A hipótese de que ele sabia e aprovava era simplesmente impensável. Pude reconhecer, declarou o papa em 1985, o grande e promissor florescimento dos movimentos eclesiais e os assinalei como uma causa de esperança em toda a Igreja e para toda a humanidade. O Neocatecumenato é exactamente um destes movimentos de nome estranho que conheceu uma expansão rápida dentro da Igreja Católica nos últimos 30 anos, guindado pelo apoio entusiasmado do papa. Dois outros movimentos foram também especialmente favorecidos: Comunhão e Libertação (CL) e Focolare, ambos de origem italiana. Estes são três entre as maiores, e certamente entre as mais ricas e mais poderosas, de várias organizações que são moral, teológica e politicamente de direita, e que reivindicam uma obediência de mais de 30 milhões de católicos espalhados pelo mundo, muitos dos quais receberam o impulso mais forte na década de 1980 com o apoio irrestrito do papa João Paulo. De modo um tanto alarmante, eles parecem prestes a ultrapassar a ala moderada da Igreja Católica no que se refere ao número de adesões; no que se refere ao poder de que desfrutam dentro da Santa Sé, eles já o conseguiram há muito tempo.
Embora todos eles tenham começado no sul da Europa e ainda tenham as suas bases administrativas na Itália, os movimentos são actualmente uma força de influência mundial. O Focolare foi criado na cidade de Trento, no norte da Itália, em 1943, no auge dos bombardeamentos aliados, por uma professora de ensino primário, Chiara Lubich, que tinha então 25 anos. Actualmente, este movimento existe em 1.500 dioceses espalhadas por 190 países e conta com vários milhões de seguidores, dispondo ainda de um núcleo de cerca de 80 mil membros a ele intimamente ligados por votos, promessas ou outras formas de obediência. O toque de clarim do movimento convocando todos para o amor universal e para a unidade de toda a humanidade é baseado numa hierarquia rígida, centralizada em torno da fundadora, que já chegou aos 80 anos. O culto da personalidade de que ela é objecto exprime-se na obediência rigorosa e cega que ela exige dos membros, muito embora ela tenha passado quase dois anos (1992 a 1994) afastada, na Suíça, vítima de uma doença misteriosa. Inútil lembrar os boatos que se espalharam então pelo mundo inteiro semeando suspeitas sobre sua morte. Em 1995 ela voltou à vida pública». In Gordon Urquhart, A Armada do Papa, tradução de Irineu Guimarães, Editora Record, 2002, ISBN 978-850-106-222-2.

Cortesia de ERecord/JDACT