segunda-feira, 17 de setembro de 2018

A Armada do Papa. Gordon Urquhart. «As estruturas dos movimentos também fizeram deles instrumentos ideais para o projecto papal de uma Nova Evangelização. Estes movimentos são centralizados de maneira muito forte em torno de Roma…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Wojtyla pessoalmente considerava-se um homem do Concilio e, como arcebispo da Cracóvia, no início da década de 1970 chegara até a escrever um livro, Fontes de renovação, no qual explicava como a visão do Vaticano II devia ser implementada. Mas, na mente de Wojtyla, esta visão partia de uma perspectiva polonesa, que envolvia o laicato, mas cujo impulso procedia de cima, da hierarquia. O seu programa como papa deveria, por conseguinte, devolver a ordem ao caos da igreja pós-conciliar: estancar o êxodo de padres, religiosos e freiras; trazer de volta à obediência os teólogos insubordinados; e reimpor a doutrina tradicional, especialmente no campo da moralidade sexual, que ele considerava imutável. Para aqueles que achavam que o Concílio ainda não tinha sido inteiramente implementado, ficou rapidamente muito claro que, sob João Paulo II, a maré havia virado e começava então uma era de restauração.
Mas para um homem da força de João Paulo, restauração não era bastante. Ele também tinha um programa expansionista. Em a sua primeira encíclica, Redemptor hominis, ele exprimiu muito claramente uma visão apocalíptica da paz do mundo para o ano 2000. Por volta de meados da década de 1980, ele dera um nome a esta visão: a Nova Evangelização. Este ficou sendo o programa de seu pontificado, servindo como uma espécie de fórmula resumida dos inúmeros valores tradicionais que ele queria restaurar. Embora o ímpeto missionário de João Paulo seja concebido em escala mundial, o papa tem uma perspectiva particular para a Europa. Aqui, Nova Evangelização significa não apenas uma revitalização dos valores cristãos, mas também a restauração de uma cristandade jamais vista desde o apogeu do Sagrado Império Romano, ou seja, uma Europa Católica do Atlântico aos Urais. Para realizar um programa ambicioso e militante como este, o papa precisava de forças, e nisto ele foi vivo o bastante para perceber que os movimentos tinham em comum algumas configurações que se ajustavam admiravelmente aos seus objectivos e que poderiam ser muito bem aproveitadas sob a sua carismática liderança.
No interior da Igreja, os movimentos pareceram oferecer soluções para muitos dos problemas do pontífice: produziram um número muito grande de vocações ao sacerdócio, à vida religiosa e às novas formas de vida comunitária com estruturas próprias, reforçando assim, de maneira muito intensa, a fidelidade do papa ao celibato sacerdotal; no que concerne à interpretação das Sagradas Escrituras e à teologia, eles são conservadores a ponto de chegarem até uma espécie de fundamentalismo; no que se refere à moral, eles não apenas rejeitam o relativismo condenado por João Paulo, como ainda aplicam rigorosamente entre os seus membros e no interior da sua esfera de influência pastoral os valores morais absolutistas que ele mesmo prega; eles põem a maior ênfase num programa de introspecção espiritual, abandonando a urgência dos temas de justiça e paz, que ficam, assim, relegados a um futuro mundo melhor que o movimento haverá de criar.
As estruturas dos movimentos também fizeram deles instrumentos ideais para o projecto papal de uma Nova Evangelização. Estes movimentos são centralizados de maneira muito forte em torno de Roma (ou de Milão, no caso da CL), com todas as diretrizes sobre actividades espirituais e práticas locais emanando directamente do centro, usualmente o próprio fundador. O sistema de comunicação interna de cada um desses movimentos é altamente sofisticado, acoplado a uma cadeia de comando clara e eficiente, e permite obter respostas imediatas em plano mundial. Estes movimentos congregam pessoas das mais diferentes categorias: crianças, jovens, casais, padres, religiosos de ambos os sexos, e até mesmo bispos. Eles constituem verdadeiras igrejas em miniatura, ou fatias da Igreja, sendo, por isso, auto-suficientes». In Gordon Urquhart, A Armada do Papa, tradução de Irineu Guimarães, Editora Record, 2002, ISBN 978-850-106-222-2.

Cortesia de ERecord/JDACT