sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Portugal. A Primeira Nação. Freddy Silva. «Gritos de Deus vult, Deus vuit, ergueram-se em concordância sobre os campos gelados de Clermont. Deus o quer, Deus o quer»

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1095. Novembro. em Auvergne, uma região montanhosa no centro de França...
«(…) Tendo-se entusiasmado, o papa saiu da igreja, subiu a uma plataforma de madeira e começou a dirigir-se a um ajuntamento ainda maior, cujos números haviam forçado a área de encontro disponível do Champet e os serviços que a vila era capaz de fornecer: Esta terra que habitais, cercada de todos os lados pelos mares e rodeada pelos picos das montanhas, é demasiado estreita para a vossa vasta população; tão-pouco abunda em riquezas; e mal fornece comida suficiente para os seus cultores. Por isso é que vos matais uns aos outros, que fazeis guerra, e que frequentemente pereceis por ferimentos mútuos. Deixar então que o ódio parta de entre vós, deixai que acabem as vossas disputas, deixai cessar as guerras e deixai dormir todas as dissensões e controvérsias. Entrai na estrada para o Santo Sepulcro, arrancai essa terra à raça perversa e sujeitai-a a vós… Deus conferiu-vos sobre todas as nações grande glória nas armas. Empreendei então esta jornada pela remissão dos vossos pecados, com a certeza da glória imperecível do reino dos céus.
Gritos de Deus vult, Deus vuit, ergueram-se em concordância sobre os campos gelados de Clermont. Deus o quer, Deus o quer. Não tardaria que isto se tornasse num purulento slogan de propaganda para o recrutamento de milhares de soldados rasos.
Apesar do ar lânguido, o discurso motivacional de Urbano parecia ter um efeito muito mais revigorante do que o registado em Placência. Por isso, continuou, com um floreado adicional de demagogia: eles derrubam e profanam os nossos altares..., pegarão num cristão, abrir-lhe-ão o estômago e amarrar-lhe-ão o intestino a uma estaca; depois, estocando-o com uma lança, fá-lo-áo correr, até que arranque as próprias entranhas e caia morto no chão. O papa usou então um isco que lhe garantia aumentar o número de participantes na sua causa.

Todos os que morrerem pelo caminho, seja por terra ou por mar, ou em combate contra os pagãos, terão a imediata remissão dos pecados. Isto lhes concedo pelo poder de Deus, do qual estou investido. Oh, que desgraça se uma tão desprezada e ignóbil raça, que venera demónios, conquistasse um povo que tem a fé de Deus omnipotente e que o nome de Cristo torna gloriosa! Com que censuras nos esmagará o Senhor se não ajudardes aqueles que, como nós, professam a religião cristã! Que aqueles que injustamente se habituaram a travar guerras privadas contra os fiéis vão agora contra os infiéis e acabem com uma vitória esta guerra que há muito devia ter sido começada. Que aqueles que, durante muito tempo, foram ladrões se tornem agora cavaleiros. Que aqueles que têm lutado contra os seus irmãos e parentes lutem agora de forma correcta contra os bárbaros. Que aqueles que têm servido como mercenários por um pequeno salário obtenham agora a recompensa eterna. Que aqueles que se têm desgastado de corpo e alma trabalhem agora por uma honra dupla. Vede! Deste lado estarão os tristes e os pobres, daquele, os ricos; deste lado, os inimigos do Senhor, daquele, os seus amigos. Que aqueles que vão não adiem a jornada, mas que arrendem as suas terras e recolham dinheiro para as suas despesas; e assim que o Inverno acabar e a Primavera chegar, que se ponham ardentemente a caminho com Deus como seu guia.

Curiosamente, apesar de toda a conversa do papa abordando a libertação das Terras Santas, incluindo as suas cartas seguintes, quase não foi feita qualquer menção a dois dos seus mais importantes locais sagrados. O cronista Fulquério de Chartres, que assistiu ao discurso em Clermont, não faz qualquer menção ao facto de Urbano ter discutido a libertação de Jerusalém ou do seu templo mais sagrado, a Igreja do Santo Sepulcro, o local da sepultura de Cristo, só de ter pedido para ajudar rapidamente esses cristãos e destruir essa raça vil, os turcos, das terras dos nossos amigos». In Freddy Silva, Portugal, a Primeira Nação Templária, 2017, Alma dos Livros, 2018, ISBN 978-989-890-700-4.

Cortesia de AlmadosLivros/JDACT