sexta-feira, 28 de setembro de 2018

As Relações Luso-Alemãs antes da I Guerra Mundial. Gisela Medina Guevara. «Berlim estava já em 1914 em contacto directo, por telegrafia sem fios, com o Togo, onde haviam construído a importante estação emissora de Camina»

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O interesse alemão no Atlântico português
«(…) Na realidade, já no Inverno de 1897 - 1898, os meios navais americanos tinham estudado a hipótese de uma manobra de diversão da frota dos E.U.A. em águas espanholas, próximo de Cádiz e das Canárias, para pressionar a Espanha a desistir de defender os seus interesses nas águas das Caraíbas. Com o desastre de 1898, circularam boatos de todo o tipo, difundidos pela imprensa e opinião pública, sobre um eventual arrendamento das ilhas Baleares e das Canárias. O aviso britânico era entendido pelo Governo português, que acedia em Dezembro de 1898, a troco de contrapartidas respeitantes nomeadamente à salvaguarda da independência do país em retirar os rendimentos das ilhas adjacentes das garantias a um crédito externo. A partir de 1898, os Britânicos não deixaram de preocupar-se em pedir garantias aos sucessivos governos portugueses, para que não fosse concedido a mais nenhuma outra potência facilidades nas ilhas atlânticas. Essas garantias transformar-se-ão mais tarde, com a intensificação da corrida naval anglo-alemã, no pedido de direito exclusivo, por parte britânica, de constituição de depósitos de carvão, telégrafos e cabos submarinos.
Os Açores, a Madeira, as Canárias e a costa marroquina detinham uma posição estratégica no controlo das rotas do atlântico e do mediterrâneo e a Inglaterra, potência marítima tradicional, não pretendia de forma nenhuma que principalmente a Alemanha, que lhe começava a disputar a hegemonia naval, obtivesse influência nestes pontos. Por isso, lord Salisbury informa o conde de Hatzfeldt que a Inglaterra vê com grande aversão qualquer facilidade concedida pelo Governo português que venha a colocar as ilhas atlânticas portuguesas sob a influência de uma terceira potência. Hatzfeldt não teria, no entanto, reagido bem à informação de Salisbury. Em Novembro de 1899, sir H. MacDonellao, escrevendo a Salisbury, revelava-lhe as suas apreensões sobre a corrente de hostilidade anti-inglesa em Portugal, tanto na opinião pública, como na classe política:

No meu n.º 77 do dia 8 deste mês queixei-me do tom violento da imprensa portuguesa a respeito da campanha da África. (...) O mal-estar causado no país pelos acontecimentos de 1891 deixou um sentimento de hostilidade que o republicano e a imprensa réptil aproveitaram a seu favor, em todas as ocasiões. Enquanto as classes intelectual e política partilham, no íntimo, a antipatia do homem do povo. (...). Tudo isto não escapou à atenção do meu colega alemão, que imbuído das suas simpatias pessoais pelos Boers assim como incentivado pelo seu governo, tem estado activo em criticar e distorcer os acontecimentos na África do Sul contra nós. A noção geralmente aceite de que o imperador Guilherme pode ter decidido apoiar mais eficazmente os Boers influenciou claramente as opiniões deste governo e foi sem dúvida um poderoso factor para orientar a opinião pública e a representada pela imprensa.

MacDonell revelava bem como a corrente anti-inglesa em Portugal era aproveitada, a nível interno, pelos republicanos, para fazerem propaganda antimonárquica e a nível externo, pelos Alemães, para influenciar o Governo Português. Mas a velha aliança luso-inglesa, que fora renovada secretamente na Declaração de Windsor de 1899 (esta declaração anglo-lusa deveu muito aos esforços do marquês de Soveral e à influência do rei Carlos I), seria reafirmada em 1901. Os ingleses necessitavam da neutralidade colaborante portuguesa na Guerra da África do Sul e a continuação da sua influência nas ilhas atlânticas, Açores e Madeira. Para isso aceitavam assegurar ao Governo português que o Império Colonial não seria dividido. Era de importância vital para os Britânicos, que o Governo português reafirmasse ao Governo britânico as garantias sobre as ilhas atlânticas, para impedir que os Alemães obtivessem bases navais no espaço atlântico.
Esta política era acompanhada, do lado inglês, sobretudo da parte de Salisbury, por uma recusa em ceder portos na costa marroquina atlântica. Salisbury evitara, como já vimos, comprometer-se com qualquer promessa nesta questão, apesar dos repetidos pedidos alemães nesse sentido. Note-se que é o mesmo Salisbury que estará por detrás do fracasso de um empréstimo alemão a Portugal, aconselhando Soveral a entender-se antes com os credores franceses na questão da dívida portuguesa. Um outro factor importante que fazia com que as ilhas atlânticas portuguesas se revestissem de grande valor para os Ingleses era, a contribuição que estas poderiam dar no estabelecimento de um sistema de comunicações por cabos submarinos. A partir de 1870, os Britânicos visavam criar um sistema internacional de cabos submarinos que lhes iria dar vantagens estratégicas e económicas imprescindíveis, e de que pretendiam ter o monopólio. Como não podiam confiar muito na rede de comunicação pelo Mediterrâneo, que não dominavam, era-lhes indispensável a construção de linhas atlânticas. Por isso, em 1901, estabeleceram uma linha de comunicação de cabos para a África do Sul que passava pela Madeira, São Vicente (Cabo Verde), Ascensão, Sta. Helena e Cabo. Como linha suplementar, assentaram outra que partia da Madeira para as colónias inglesas da África ocidental, Gambia, Serra Leoa, Costa do Ouro, Nigéria até à África do Sul. Assim, nesta rede de comunicação, a ilha da Madeira desempenhava um papel de destaque. Os Alemães tentaram quebrar o monopólio britânico sobre os cabos submarinos mas este manteve-se até 1914. Com a invenção da telegrafia sem fios esperavam libertar-se da dependência face ao sistema britânico. Berlim estava já em 1914 em contacto directo, por telegrafia sem fios, com o Togo, onde haviam construído a importante estação emissora de Camina». In Gisela Medina Guevara, As Relações Luso-Alemãs antes da I Guerra Mundial, A Questão da Concessão dos Sanatórios da ilha da Madeira, Faculdade de Letras de Lisboa, Edições Colibri, Lisboa, 1997, ISBN 972-8288-70-0.

Cortesia Colibri/JDACT