terça-feira, 18 de setembro de 2018

A Duquesa de Bragança. Poema em Oito Cantos. José Carlos Gouvêa. «Silencio pois: respeito affectos d’alma, que zelosos escondem a ventura. Que as turbas conhecer jamais deviam; que ternos, infelizes, sob o tumulo…»

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Canto Primeiro
O Regresso do Duque
 «(…)
V
Tal o duque D. Jayme, o primogénito,
D'esse altivo Fernando, do que ao sceptro
Regou com sangue seu, triste victoria.
Tal a flòr arrojada ao negro exílio
O joven foragido em terra alheia.
Mas elle, que anheiava á pátria incólume
Um dia regressar, pizar seu solo,
Que diria ao passar nossa fronteira:
Enfim é Portugal… o chão que piso
É a terra da pátria, a minha terra:
É este o sol que vi surgindo ao mundo,
A brisa que aspirei; este o aroma,
O ar da minha infância, do meu berço;
São os campos da pátria, a relva, as flores.
Tudo aqui portuguez é n’este solo;
Entrava taciturno e merencório
Na corte de Manuel, e com saudade
Nas risonhas campinas andaluzas.
Nos luxuosos paços castelhanos,
Sombrio, suspirando, meditava.
Nem ao menos saudava o Tejo aurífero,
Que déspota dos mares, leis despóticas
Do mar á vastidão rugindo impunha.

VI
Oh! Será um destino avaro e duro
Que nunca possa o homem ser ditoso!
E que sempre a ventura annuviada
Por uma sombra seja? Algum mysterio
Occulta no seu peito generoso
O nosso joven duque. Quando gallas
O cercam, olvidando um ódio extincto,
Que o regresso feliz saúda a corte;
Quando em jubilo o peito, arfar devia,
Que vê em torno a si a pátria, a gloria
Quando um anjo lhe aponta áureo futuro,
Porque triste ficou? Ha um mysterio.
Um segredo, que preza, e o mundo ignora,
Que aos lahios não accusa… Oh! Então basta,
Que no timido arcano amor se occulta.

VII
Silencio pois: respeito affectos d’alma,
Que zelosos escondem a ventura.
Que as turbas conhecer jamais deviam;
Que ternos, infelizes, sob o tumulo
Alguma eterna dôr sepultam mórbidos;
Que nobres sabem ser e sempre grandes
Quer a sorte propicia, ou dura seja;
Que são do casto amor o fructo angélico.
Que segredo maior no mundo existe?
O segredo politico, o d’estado,
Outro qualquer enfim, que a arte invente;
Dizei-me, ó estadistas fervorosos,
Algum desses mysterios, que intrincados
Nas altas regiões haver costuma,
Na esphera da, cartaz, diplomacia.
Valer pôde uma estrophe d’esse cântico
A que os anjos amor chamam no olympo?
O amor, eterno hymno, quem já poude
Na terra definil-o? Quem sustenta.
Que sabe o que elle pôde, o que tem sido,
O seu rumo, o seu alvo, a sua origem,
O que vale, o que importa, o que promette?»
In José Carlos Gouvêa, A Duquesa de Bragança. Poema em Oito Cantos, Tipographia e Stereotypia Moderna, Lisboa, 1898.

Cortesia de Stereotypia Moderna/JDACT