quinta-feira, 25 de abril de 2019

O Caso Tutankhamon. Christian Jacq. «Na véspera à noite, tinha-se produzido uma espécie de milagre pela primeira vez, um dos seus quadros quase o satisfazia. O cavalo cabriolava, os seus olhos riam, vivia»

Cortesia de wikipedia

«(…) O homem observava o jovem Howard Carter havia meia hora. Elegante, fino, tinha um rosto severo e um olhar inquisidor. Howard, aproveitando um dia bonito, tinha colocado o cavalete num campo onde uma égua amamentava o seu potro; o Norfolk beneficiava de um fim de Verão excepcional, e oferecia cem temas de quadros. Aos dezassete anos, o jovem seguia o rasto do pai e contava tornar-se como ele, pintor animalista; em vez de o mandar para a escola da terra, tinha-lhe ensinado a ler, a escrever, a desenhar e a pintar; cavalos e cães eram os motivos principais. Embora tivesse irmãos e irmãs, sentia-se filho único, só ele era capaz de receber a mensagem do artista; de lhe perpetuar a descendência e de provar que podia viver da sua arte. Por isso trabalhava com perseverança, encarniçando-se a aperfeiçoar o mínimo pormenor. Embora tivesse nascido em Londres, no bairro de Kensington, a 9 de Maio de 1874, Howard Carter passara a sua infância em Swaffham, uma pequena aldeia cuja calma verdejante amava.
Na véspera à noite, tinha-se produzido uma espécie de milagre pela primeira vez, um dos seus quadros quase o satisfazia. O cavalo cabriolava, os seus olhos riam, vivia; era verdade que faltava finura às suas patas e que a cabeça deveria ser aperfeiçoada. Mas a mão tornava-se firme: a profissão manifestava-se. O homem colheu um cólquico que enfiou na botoeira, e deu alguns passos em direcção ao adolescente que se levantou e o olhou sem baixar os olhos, espezinhando a sua educação. Continuou a sua marcha lenta através da erva, não receando manchar de verde o seu belo fato de aristocrata, e parou em frente da aguarela que examinou estendendo o pescoço como uma ave de rapina. Interessante concluiu. Chama-se, ao que julgo, Howard Carter? O jovem detestava as maneiras dos ricos: entre eles, quantos salamaleques, para se dirigir a palavra. Ao inferior, bastava dar ordens num tom desdenhoso. Não o conheço. Não é da aldeia.
Uma vez que não há ninguém para nos apresentar, à excepção daquela bonita égua ocupada noutras tarefas, fique sabendo que me chamo Percy Newberry, e que temos uma amiga comum. Teria a amabilidade de me desenhar um pato? Ele estendeu uma folha de papel. Mas... Porquê? A nossa amiga comum, lady Amherst, que mora no palácio vizinho, falou-me de si como de um pintor notável. Comprou três telas suas. A sua égua pode considerar-se perfeita, mas um pato, é outra coisa... Furioso, Howard pegou no papel e, em menos de cinco minutos, esboçou um pato de pescoço verde, de grande perfeição. Lady Amherst tinha razão; aceitaria desenhar e colorir, para mim, gatos, cães, gansos e uma quantidade de outros animais?
A desconfiança do artista permanecia intacta. Será, por acaso, coleccionador? Professor de egiptologia na universidade do Cairo, no Egipto. É longe, não é? Muito longe. Londres ainda é mais perto. Porquê Londres? Porque a nossa bela capital alberga o British Museum; gostaria de o levar lá. O maior museu do mundo..., o pai tinha-lhe falado nele muitas vezes. Talvez um dia, algum dos seus quadros lá fosse exposto! Não tenho dinheiro. A viagem, o alojamento... Está combinado. Aceita deixar a sua família e o seu país durante um mês..., três meses? As andorinhas brincavam no céu; na orla da floresta, um picanço depenicava a casca de um carvalho. Abandonar Norfolk, separar-se dos irmãos, despedaçar a infância... Atirou com o cavalete. Quando partimos?
Vários meses de trabalho ininterrupto, debruçado sobre a sua mesa, a reproduzir hieróglifos onde figuravam não só animais mas também seres humanos, objectos, edifícios, sinais geométricos e muitos outros aspectos dessa língua que os Egípcios consideravam como sagrada: como um escriba, Howard Carter aprendia a desenhá-la antes de a compreender; traçar essas palavras de autoridade transformava-lhe a mão e o pensamento. Respeitava escrupulosamente os modelos que o professor Newberry lhe facultava; a pouco e pouco, aprendera a escrever como os antigos tinham escrito». In Christian Jacq, L’Affaire Toutankhamon, O Caso Tutankhamon, tradução de Maria Carlota Guerra, Bertrand Editora, 1998, ISBN 972-250-750-8.

Cortesia de wikipedia e jdact