quarta-feira, 10 de abril de 2019

Poesia. Ricardo Reis. «Ela é a mesma que outra que não ela. Só nós, ó tempo, ó alma, ó vida, ó morte! Mortalmente compramos…»

Cortesia de wikipedia e jdact

A Abelha que Voando
«A abelha que, voando, freme sobre
A colorida flor, e pousa, quase
Sem diferença dela
À vista que não olha,

Não mudou desde Cecrops. Só quem vive
Uma vida com ser que se conhece
Envelhece, distinto
Da espécie de que vive.

Ela é a mesma que outra que não ela.
Só nós, ó tempo, ó alma, ó vida, ó morte!
Mortalmente compramos
Ter mais vida que a vida».

A Cada Qual
«A cada qual, como a 'statura, é dada
A justiça: uns faz altos
O fado, outros felizes.

Nada é prémio: sucede o que acontece.
Nada, Lídia, devemos
Ao fado, senão tê-lo».

Acima da Verdade
«Acima da verdade estão os deuses.
A nossa ciência é uma falhada cópia
Da certeza com que eles
Sabem que há o Universo.

Tudo é tudo, e mais alto estão os deuses,
Não pertence à ciência conhecê-los,
Mas adorar devemos
Seus vultos como às flores,

Porque visíveis à nossa alta vista,
São tão reais como reais as flores
E no seu calmo Olimpo
São outra Natureza».
In Ricardo Reis, Fernando Pessoa

Cortesia de Wikipedia/Secrel/JPoesia/JDACT