domingo, 7 de abril de 2019

Uma Bruxa Solitária. Ruth Warburton. «Eu concentrava-me em não machucá-lo, mas em mantê-lo afastado. E não conseguia. Ele me empurrava para trás, para trás, até as minhas costas tocarem a madeira rústica da parede do celeiro»

Cortesia de wikipedia e jdact

«Estava escuro, mas senti que havia alguém ali assim que abri a porta do celeiro. Olá? Minha voz ecoou nas vigas. Olá? Esperei um momento e fiquei ouvindo. Nada. Mas eu não estava sozinha, não precisava de bruxaria para saber disso; havia alguém ali, alguém vivo e que respirava – e perceber isso me deixou com os cabelos da nuca em pé. Um longo e alto som agudo rompeu o silêncio e eu pulei, mas era só a porta do celeiro balançando lentamente atrás de mim, a madeira húmida rangendo com o movimento. Então ela fechou com uma tranca e a escuridão invadiu o espaço amplo. Eu não estava com medo: se eu não enxergava nada, ele também não. Fiquei parada esperando. O golpe atingiu-me em cheio, acertou-me com tanta força que eu cambaleei e vi estrelas. Caí contra uma viga de madeira e me agarrei a ela, mantendo-me erecta enquanto tentava reunir forças para um contrafeitiço. Sl..., balbuciei, mas a explosão de luz foi muito rápida e me jogou de joelhos sobre a palha.
Naquele breve e ofuscante segundo eu o vi, em pé sobre uma viga no centro do celeiro. A localização oferecia vantagens, mas era perigosa. Por um minuto fiquei deitada no chão imundo do celeiro, certa de que ele se preparava para mais um ataque. Então, saltei. Ábréoðe!, gritei. Houve um estalo ensurdecedor da viga sobre a qual ele estava, seguido de um barulho de ossos quebrando e um grito de dor quando um corpo se chocou contra o chão. Fiquei parada, arfante, esperando para ver se ele se levantava. Ele não se levantou e, por um momento, me senti triunfante. Então, fios formando uma rede sufocante começaram a cair da escuridão, colaram nas minhas mãos, meus olhos, minha boca. Quanto mais eu me debatia, mais os fios se colavam, como uma gigantesca teia de aranha que me prendia. Em pânico, disparei maldições inúteis a torto e a direito, contrafeitiços que não faziam nada além de queimar a minha pele e rasgar as minhas roupas. Ouvi uma risada debochada tremular na escuridão, e a fúria cresceu dentro de mim. Unwríð!
Os fios que me prendiam queimaram e eu concentrei toda a minha fúria numa lança de raiva, que disparei pela escuridão na direcção da risada. Acertei: ouvi o grito de dor. Agora era a vez de ele ficar na defensiva. Tirei proveito da minha vantagem e acertei de novo e de novo, golpeando-o com cada grama de magia que conseguia dominar. Mas eu estava a ficar cansada, e ele não. Eu sentia a sua energia e a força da sua magia enquanto o desconhecido resistia aos meus golpes. Então ele começou a abrir caminho pelo chão do celeiro na minha direcção. Eu concentrava-me em não machucá-lo, mas em mantê-lo afastado. E não conseguia. Ele me empurrava para trás, para trás, até as minhas costas tocarem a madeira rústica da parede do celeiro. Ele estava tão perto que eu podia sentir a estática da sua magia, o calor da sua pele, sentir o seu suor. Não!, arfei.
Contudo, era tarde demais, eu estava encurralada num canto e ele, a centímetros de distância, esmagava-me. Senti quando ele se inclinou, mais e mais perto na escuridão abafada. Era o fim. Ele havia vencido. Tudo bem, disse, com a voz tremendo de exaustão. Tudo bem, eu... A mão dele segurou o meu ombro, a outra agarrou o meu cabelo, e ele me beijou. Por um minuto não tive reacção, fiquei ali parada, devastada, sem nenhuma defesa, e consenti o seu beijo. Tudo que conseguia pensar era no calor da sua boca macia, na força rígida do seu corpo, na rispidez da pele sem barbear em contacto com a minha. Por um longo, longo minuto, não fiz nada além de ficar parada, tremendo, enquanto ele me beijava. Só quando senti a sua mão escorregar para baixo da minha blusa que a lucidez retornou. Uma forte explosão de magia estremeceu o celeiro. Seu corpo foi jogado para trás, bateu contra a parede oposta com um estrondo terrível, seguido de um silêncio absoluto». In Ruth Warburton, Uma Bruxa Solitária, 2012, LeYa Editora, 2015, ISBN 978-854-410-195-7.

Cortesia de LeYaE/JDACT