quarta-feira, 15 de maio de 2019

Poemas Completos de Ricardo Reis. Fernando Pessoa. «Mas tal como é, gozemos o momento, solenes na alegria levemente, e aguardando a morte como quem a conhece»

Cortesia de wikipedia e jdact

Ao Longe
«(…) Ao longe os montes têm neve ao sol,
Mas é suave já o frio calmo
Que alisa e agudece
Os dardos do sol alto.

Hoje, Neera, não nos escondamos,
Nada nos falta, porque nada somos.
Não esperamos nada
E temos frio ao sol.

Mas tal como é, gozemos o momento,
Solenes na alegria levemente,
E aguardando a morte
Como quem a conhece».

Só Ter Flores
«Só ter flores pela vista fora
Nas áleas largas dos jardins exactos
Basta para podermos
Achar a vida leve.

De todo o esforço seguremos quedas
As mãos, brincando, para que nos não tome
Do pulso, e nos arraste.
E vivamos assim,

Buscando o mínimo de dor ou gozo,
Bebendo a goles os instantes frescos,
Translúcidos como água
Em taças detalhadas,

Da vida pálida levando apenas
As rosas breves, os sorrisos vagos,
E as rápidas carícias
Dos instantes volúveis.

Pouco tão pouco pesará nos braços
Com que, exilados das supernas luzes,
Escolhermos do que fomos
O melhor para lembrar

Quando, acabados pelas Parcas, formos,
Vultos solenes de repente antigos,
E cada vez mais sombras,
Ao encontro fatal

Do barco escuro no soturno rio,
E os nove abraços do horror estígio,
E o regaço insaciável
Da pátria de Plutão».
In Fernando Pessoa, Obra Completa de Ricardo Reis, Tinta da China, 2016, ISBN 978-989-671-345-4.

Cortesia de TintadaChina/JDACT