terça-feira, 7 de janeiro de 2020

A Abadia de Northanger. Jane Austen. «Ainda assim, iam, algo melhor ainda estava para ser visto. E, pela aplicação continuada de força e engenho, encontraram-se, finalmente, na passagem atrás da mais alta bancada»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Ela tinha um prazer bem inofensivo em estar elegante. E a entrée da nossa heroína na vida não poderia ocorrer antes de três ou quatro dias aprendendo o que mais se usava, e de sua acompanhante ganhar um vestido da última moda. Catherine também fez, sozinha, algumas compras, e quando todos esses assuntos foram resolvidos, a importante noite em que ela seria levada aos Salões Superiores chegou. Ela cortou o cabelo e se cobriu com as melhores roupas, todas vestidas com cuidado, e tanto a senhora Allen quanto a sua criada declararam que ela se aparentava como deveria. Com tal incentivo, Catherine esperou pelo menos passar sem a desaprovação da multidão. Quanto à admiração, era sempre bem-vinda quando aparecia, mas ela não precisava disso. A senhora Allen demorou-se tanto a se aprontar que elas adentraram pelo salão de baile quando já era tarde. A temporada estava cheia, a sala repleta, e as duas damas se esgueiraram o quanto puderam. Quanto ao senhor Allen, ele se dirigiu directamente ao salão de jogos e as deixou para que apreciassem a turba por si mesmas. Com mais cuidado pela segurança do seu novo vestido do que pelo conforto de sua protegée, a senhora Allen abria o seu caminho pela aglomeração de homens à porta, tão agilmente quanto a necessária precaução poderia permitir.
Catherine, porém, mantinha-se imediatamente ao seu lado e prendeu seu braço tão firme ao da sua amiga para que só pudesse ser separada por algum esforço conjunto de uma multidão em luta. Mas, para a sua extrema surpresa, ela descobriu que para seguir adiante pelo salão não era, de forma alguma, o modo como se desprendia da aglomeração. Esta, ao contrário, parecia aumentar à medida que seguiam, enquanto ela imaginou que, uma vez depois da porta, elas facilmente encontrariam assentos e seriam capazes de assistir as danças com perfeita conveniência. Mas isto estava longe de ser o caso e, por meio de incansável diligência, mesmo ao chegarem ao topo do salão, a situação delas ainda era a mesma. Nada viam dos dançarinos, além das penas no topo dos chapéus das damas. Ainda assim, iam, algo melhor ainda estava para ser visto. E, pela aplicação continuada de força e engenho, encontraram-se, finalmente, na passagem atrás da mais alta bancada. Havia menos gente do que em baixo, e, portanto, a senhorita Morland tinha uma visão abrangente de toda a companhia sobre ela e de todos os perigos de sua recém terminada passagem por ela. Era uma vista esplêndida, e ela começou, pela primeira vez naquela noite, a sentir-se ela mesma num baile, ela ansiava por dançar, mas não conhecia ninguém no salão. A senhora Allen fazia o que podia, em tal caso, ao dizer muito placidamente, a cada momento: queria que dançasse, minha querida, queria que encontrasse um parceiro. Por algum tempo, a sua jovem amiga se sentiu agradecida por tais desejos, mas estes foram repetidos com tanta frequência e se provaram tão artificiais que, por fim, Catherine se cansou e já não mais lhe agradecia.
Não puderam, porém, gozar por muito tempo do repouso da eminência que conquistaram com tanto trabalho. Logo, todos estavam se movimentando pelo chá, e elas deveriam se esgueirar assim como o resto. Catherine começou a se sentir um pouco desapontada, ela estava cansada de ser seguidamente prensada contra as pessoas. A generalidade daqueles rostos não possuía nada de interessante e, com todos aqueles a quem ela era completamente desconhecida, ela não poderia se aliviar do aborrecimento daquela prisão com a troca de uma sílaba com qualquer um dos seus companheiros reféns. Quando por fim chegaram à sala de chá, Catherine sentiu ainda mais o constrangimento de não ter algum grupo com quem se juntar, nenhuma amizade a chamar, nenhum cavalheiro a ajudá-la. Não viram o senhor Allen. Depois de procurar ao redor da sala por uma situação mais favorável, foram obrigadas a se sentar ao fim de uma mesa, na qual um grupo grande já ocupava lugares, sem ter o que fazer ou alguém para conversar, além delas mesmas. A senhora Allen se felicitava, assim que se sentaram, por ter preservado o seu vestido de algum dano. Teria sido chocante se ele tivesse rasgado, disse, não é mesmo? É uma seda muito delicada. Da minha parte, não vi nada que eu gostasse tanto em toda a sala, garanto-lhe». In Jane Austen, A Abadia de Northanger, 1802 /1817, Relógio d’Água, 2016, ISBN 978-989-641-596-9.

Cortesia de Rd’Água/JDACT