quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

Poemas de Alcipe. Marquesa de Alorna. «Jamais os sonolentos filhos do Érebo, males desumanos, o seu negro vapor Eepalharam ao redor do asilo em que passei meus tenros anos»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…)
Pássaros
Ao universo,
Voando, a explica,
Enquanto indica
Somente o que eu padeço um rude verso.

Eu vejo suspender-se a natureza
Aos ais que lá no centro do retiro
Exala Filomela; um só suspiro
Da voz não lhe interrompe a fortaleza.
Nem por ventura
Ressoa a gruta;
Atento a escuta
O bosque todo envolto em noite escura.

O quieto silêncio, a obscuridade,
Que geram mil saudosos pensamentos,
Parece que das aves aos tormentos
Por estímulo servem, de piedade.
Queixo-me em vão,
Pois meus gemidos
Ficam perdidos
Nesta insensível, negra solidão.

Basta, triste Canção, que a noite escura
Já manda recolher aos caros ninhos
Os suspirantes, ternos passarinhos,
E em vão lhes conto a minha desventura.
Quando nascer
A madrugada,
Eu, magoada,
Tornarei o silêncio a interromper.

Águas
Claras águas, de que ouço o murmúrio,
Calado bosque, ermo, que sombrio
Abrigas em teu centro o escuro medo;
O mais terno segredo
Vem Alcipe fiar-vos no seu canto.
Doei-vos, selvas tristes,
Das mágoas que me ouvistes,
Desde que a voz queixosa aos Céus levanto.

Não são as minhas mágoas, não, vulgares:
Inventou para mim novos pesares,
No seu furor, a sorte mais adversa.
Águas! Quanto diversa
Junto das vossas margens estive um dia
Um dia só contente,
Que o fado cruelmente
Alonga a dor e encurta uma alegria!

Ali na fresca areia destas praias,
Repousando-me à sombra de altas faias,
Via passar a plácida corrente;
Versos alegremente
Ditava Amor ao brando som da lira;
Os Génios namorados
Me contavam cuidados,
Que escutam de Citera a quem suspira.

Nas verduras meus olhos alongando,
Passava o tempo leda; um gesto brando
Enleava meus ternos pensamentos;
Jamais os sonolentos
Filhos do Érebo, males desumanos,
O seu negro vapor Espalharam ao redor
Do asilo em que passei meus tenros anos.
[…]
Poemas de Leonor Almeida Portugal Lorena Lencastre, (1750 – 1839), in Poemas de Alcipe’

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