terça-feira, 21 de janeiro de 2020

Frida. Biografia. Hayden Herrera. «Quando Frida nasceu, a casa de Coyoacán tinha apenas três anos de existência. Seu pai a construíra em 1904, num pequeno pedaço de terra por ele adquirido quando a fazenda El Carmen…»

Cortesia de wikipedia e jdact

A Casa Azul na rua Londres
«(…) A história de Frida Kahlo começa e termina no mesmo lugar. Vista do lado de fora, a casa na esquina das ruas Londres e Allende é muito parecida com outras casas em Coyoacán, antigo distrito residencial nos arredores da periferia sudoeste da Cidade do México. Estrutura de um único andar em estuque, paredes pintadas num vivo tom de azul e alentadas por janelões quadriculados, venezianas verdes e a incansável sombra das árvores, exibe o nome Museo Frida Kahlo sobre o portal. Do lado de dentro, um dos lugares mais extraordinários do México, a casa de uma mulher, com todas as suas pinturas e pertences, convertida em museu.
A entrada é guardada por dois gigantescos bonecos de Judas em papel machê, figuras de quase seis metros de altura gesticulando entre si como se entretidas conversando. Passando por elas, o visitante entra num jardim com plantas tropicais, fontes e uma pequena pirâmide enfeitada com ídolos pré-colombianos. O interior da casa é notável pela sensação de que a presença dos seus antigos moradores anima todos os objectos e quadros em exibição. Ali estão a paleta e os pincéis de Frida, como se ela tivesse acabado de pousá-los sobre a mesa de trabalho. Ali, junto à cama, estão o chapéu Stetson de Diego Rivera, seus macacões e as suas enormes botinas de minerador. No canto, ao lado da enorme cama de cuja janela se avistam as ruas Londres e Allende, há um armário com portas de vidro que guarda o colorido traje típico da região de Tehuantepec usado por Frida. Em cima do armário, as palavras Aquí nació Frida Kahlo el día 7 de julio de 1910 (Aqui nasceu Frida Kahlo, no dia 7 de Julho de 1910), inscritas quatro anos depois da morte da artista, quando a casa se tornou um museu público. Outra inscrição adorna a parede vermelha e azul do pátio: Frida y Diego vivieron en esta casa 1929-1954 (Frida e Diego viveram nesta casa 1929-1954). Ah!, pensa o visitante. Que circunscrição precisa! Aqui estão os três factos mais importantes da vida de Frida Kahlo, o seu nascimento, seu casamento e sua morte.
O único problema é que nenhuma das inscrições é exactamente verdadeira. A rigor, conforme atesta a sua certidão de nascimento, Frida nasceu em 6 de Julho de 1907. Talvez optando por uma verdade mais estrita do que o facto permitiria, ela escolheu nascer em 1910, ano da eclosão da Revolução Mexicana. Uma vez que era filha da década revolucionária, quando as ruas da Cidade do México estavam coalhadas de caos e derramamento de sangue, Frida decidiu que ela e o México moderno haviam nascido no mesmo ano. A outra frase no Museu Frida Kahlo alardeia uma visão ideal e sentimental do casamento e do lar Kahlo-Rivera. Mais uma vez, a realidade era diferente. Antes de 1934, quando o casal regressou para o México depois de um período de residência de quatro anos nos Estados Unidos, Frida e Diego viveram apenas por um breve período na casa de Coyoacán. De 1934 a 1939, moraram num par de casas construídas para eles no distrito residencial de San Ángel. Depois disso, houve longos períodos em que Diego, preferindo a independência do seu estúdio em San Ángel, não viveu sob o mesmo tecto que Frida, sem mencionar o ano em que os dois se separaram, se divorciaram e por fim se casaram novamente. Assim, as duas inscrições são adornos da verdade. Como o próprio museu, elas são parte da lenda de Frida.
Quando Frida nasceu, a casa de Coyoacán tinha apenas três anos de existência. Seu pai a construíra em 1904, num pequeno pedaço de terra por ele adquirido quando a fazenda El Carmen foi dividida em lotes e vendida. Mas as pesadas paredes da casa, a estrutura de um único andar, o telhado plano e a planta em forma de U, com quartos intercomunicáveis dando para um pátio interno em vez de corredores, conferem ao lugar a aparência de uma edificação dos tempos coloniais. A casa fica a apenas algumas quadras da praça central do distrito e da paróquia de São João Baptista, onde a mãe de Frida tinha um banco especial reservado que ela e as filhas ocupavam aos domingos. Da sua casa, Frida podia caminhar por ruas estreitas, de paralelepípedos ou não asfaltadas, até Viveros de Coyoacán, parque florestal em que um dos encantos é um riacho que serpenteia entre as árvores.
Quando Guillermo Kahlo construiu a casa, era um bem-sucedido fotógrafo que recebera do governo mexicano a incumbência de registar a herança arquitectónica do país, realização extraordinária para um homem que havia chegado ao México sem grandes perspectivas, apenas treze anos antes. Seus pais, Jakob Heinrich Kahlo e Henriette Kaufmann Kahlo, eram judeus húngaros de Arad, hoje parte da Roménia, que haviam migrado para a Alemanha e se fixado em Baden-Baden, onde Wilhelm nasceu em 1872. Jakob Kahlo era um joalheiro e ourives que também negociava suprimentos fotográficos; quando chegou a hora, Jakob era suficientemente abastado para ter condições de mandar o filho estudar na universidade, em Nuremberg. Em algum momento de 1890, a promissora carreira académica de Wilhelm Kahlo terminou antes mesmo de começar: em decorrência de uma queda que resultou em lesões cerebrais, o jovem começou a sofrer ataques epilépticos. Mais ou menos no mesmo período, a sua mãe morreu e o seu pai se casou em segundas núpcias com uma mulher de quem Wilhelm não gostava. Em 1891, o rapaz, aos dezanove anos de idade, ganhou do pai dinheiro suficiente para comprar uma passagem para o México; Wilhelm mudou o nome para Guillermo e nunca mais voltou ao seu país natal». In Hayden Herrera, Frida, A Biografia, 1983, tradução de Renato Marques, Editora Globo, 2011, ISBN 978-852-505-353-4.

Cortesia de EGlobo/JDACT