segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Nas Asas do Tempo. Diana Gabaldon. «Não seria extraordinário se..., quero dizer, todos sabem que médicos e enfermeiras ficam sob um terrível stress durante as emergências e..., bem, eu..., é apenas que..., bem, eu compreenderia…»

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«(…) Tivemos um, na verdade um sujeito muito rabugento, um gaiteiro dos Seaforth, que não suportava injecção, especialmente nas nádegas. Passava horas no mais terrível desconforto antes de deixar que alguém se aproximasse dele com uma seringa e, mesmo assim, tentava nos fazer dar-lhe a injecção no braço, embora fosse intramuscular. Ri diante da lembrança do cabo Chisholm. Ele me disse: se vou ficar deitado de barriga para baixo, com as minhas nádegas de fora, quero que a garota fique por baixo de mim, não atrás de mim com uma agulha! Frank sorriu, mas pareceu um pouco apreensivo, como sempre acontecia com as minhas histórias de guerra menos delicadas. Não se preocupe, assegurei-lhe, percebendo a sua expressão, não vou contar essa na hora do chá na sala dos professores. O sorriso arrefeceu e ele aproximou-se, parando atrás de mim, sentada à penteadeira. Beijou o topo de minha cabeça. Não se preocupe, disse. Os professores vão adorá-la, quaisquer que sejam as histórias que contar. Hum. Seus cabelos estão com um perfume delicioso. Gosta? Em resposta, as suas mãos deslizaram para a frente por cima dos meus ombros, segurando meus seios na camisola fina. Eu podia ver seu rosto acima do meu no espelho, o queixo descansando sobre minha cabeça. Gosto de tudo em você, disse com a voz rouca. Fica linda à luz de velas. Seus olhos são como xerez no cristal e a sua pele brilha como marfim. Uma feiticeira à luz de velas, é o que você é. Talvez eu devesse desligar as lâmpadas permanentemente. Fica difícil ler na cama, eu disse, o coração começando a acelerar. Posso pensar em coisas melhores para fazer na cama, murmurou. Pode mesmo?, disse, levantando-me e virando-me para passar os braços em volta de seu pescoço. Como o quê, por exemplo? Algum tempo depois, aconchegados por trás das persianas trancadas, ergui minha cabeça dos seus ombros e disse: porque me perguntou aquilo? Se eu tive contacto com escoceses, quero dizer, deve saber que tive, há todo tipo de homens nesses hospitais. Ele se mexeu e deslizou a mão pelas minhas costas. Hum. Ah, por nada, na verdade. É que, quando vi aquele sujeito lá fora, ocorreu-me que pudesse ser, hesitou, apertando-me mais um pouco nos seus braços, hã, sabe, que pudesse ser alguém de quem você cuidou, talvez..., talvez, tivesse ouvido falar que estava aqui e veio ver..., algo assim. Nesse caso, disse, de modo prático, porque ele não entraria e pediria para me ver? Bem, a voz de Frank pareceu muito descontraída, talvez ele não quisesse dar de caras comigo.
Ergui-me sobre um dos cotovelos, fitando-o. Havíamos deixado uma vela acesa e eu podia vê-lo bastante bem. Virara a cabeça e olhava distraidamente para a cromolitografia do príncipe Carlos Eduardo com a qual a sra. Baird achara apropriado decorar a nossa parede. Agarrei o seu queixo e virei o seu rosto para mim. Ele arregalou os olhos, simulando surpresa. Está querendo dizer, indaguei, que o homem que viu lá fora era alguma espécie de, de..., hesitei, em busca da palavra certa. Ligação?, sugeriu, solícito. Amorosa de minha parte?, concluí. Não, não, claro que não, afirmou de maneira pouco convincente. Retirou as minhas mãos do seu rosto e tentou beijar-me, mas agora foi a minha vez de virar o rosto. Contentou-se em puxar-me de volta para me deitar a seu lado na cama. É que..., começou. Bem, sabe, Claire, foram seis anos. E nos vimos apenas três vezes e apenas por um dia na última vez. Não seria extraordinário se..., quero dizer, todos sabem que médicos e enfermeiras ficam sob um terrível stress durante as emergências e..., bem, eu..., é apenas que..., bem, eu compreenderia, sabe, se alguma coisa, hã, de natureza espontânea... Interrompi aquela lengalenga desvencilhando-me do seu abraço e saltando para fora da cama. Acha que lhe fui infiel?, indaguei. Acha? Porque se acha, pode sair deste quarto agora mesmo. Ir embora desta casa! Como ousa insinuar tal coisa? Eu estava furiosa e Frank, sentando-se na cama, estendeu os braços tentando acalmar-me. Não toque em mim!, retruquei. Apenas me diga: acha, diante do facto de um estranho estar olhando para a minha janela, que eu tenha tido algum caso amoroso com um dos meus pacientes? Frank levantou-se da cama e envolveu-me nos seus braços. Permaneci petrificada como a mulher de Lot, mas ele insistiu, acariciando os meus cabelos e esfregando os meus ombros da maneira que sabia que eu gostava. Não, eu não acho nada disso, disse com firmeza. Puxou-me para mais junto dele e eu relaxei um pouco, embora não o suficiente para abraçá-lo». In Diana Gabaldon, Nas Asas do Tempo, 1991, Casa das Letras, LeYa, 2010, 2016, ISBN 978-972-461-974-3.

Cortesia das CdasLetras/JDACT