quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

A Abadia de Northanger. Jane Austen. «Cerca de uma semana, senhor, replicou Catherine, tentando não rir. Sério?, perguntou com falsa surpresa. Porque a surpresa, senhor?»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Todas as manhãs fazia os seus deveres normais: lojas que deveriam ser visitadas; alguma nova parte da cidade que deveria ser observada; a casa de bombas, onde caminhavam para cima e para baixo por uma hora, olhando para todo o mundo e não falando com ninguém. O desejo das numerosas amizades em Bath era ainda forte na senhora Allen, e ela o sentia a cada nova prova trazida pela manhã, pois lá ela não conhecia ninguém. As duas fizeram a sua aparição nos Salões Baixos e, aqui, o destino foi mais favorável à nossa heroína. O mestre de cerimónias apresentou-a a um jovem muito cavalheiro para parceiro. Seu nome era Tilney. Ele parecia ter 24, 25 anos, era bem alto, tinha feições agradáveis, olhos muito inteligentes e lívidos e, se não era muito bonito, estava perto disso. Sua abordagem era boa, e Catherine sentiu-se com muita sorte. Havia pouco tempo livre para falar enquanto dançavam, mas quando se sentaram para o chá, ela descobriu-o tão agradável quanto acreditava que ele fosse. Ele conversava com fluência e espírito, e havia uma malícia e uma graça nos seus modos que chamavam a atenção, embora dificilmente fossem compreendidas por ela. Depois de conversar por algum tempo sobre aqueles assuntos que surgiram naturalmente dos objectos ao redor deles, ele subitamente se dirigiu a ela com: até então fui muito negligente, madame, quanto às atenções apropriadas a um parceiro; ainda não lhe perguntei há quanto tempo está em Bath; se já esteve aqui antes; se já foi aos Salões Superiores, ao teatro e ao concerto; e se gostou do lugar. Fui muito negligente, mas, está disposta a me satisfazer com tais detalhes? Se estiver, começarei imediatamente. Não precisa se dar ao trabalho, senhor. Nenhum trabalho, eu lhe asseguro, madame. Então, usando os seus traços para construir um sorriso pronto, e artificialmente suavizando sua voz, ele acrescentou, com um ar afectado, Está há muito tempo em Bath, madame? Cerca de uma semana, senhor, replicou Catherine, tentando não rir. Sério?, perguntou com falsa surpresa. Porque a surpresa, senhor? Sim, é verdade! Porquê...?, disse no seu tom natural. Mas, alguma emoção deveria ser provocada pela sua resposta, e a surpresa é a mais facilmente aceitável, e não menos racional que qualquer outra. Agora, prossigamos. Nunca esteve aqui antes, madame? Nunca, senhor. Ora! Já honrou os Salões Superiores? Sim senhor, estive lá na última segunda-feira. Já foi ao teatro? Sim, senhor, estive na peça de terça-feira. Ao concerto? Sim senhor, na quarta-feira. E você está gostando de Bath, como um todo? Sim, gosto muito. Agora devo sorrir falsamente, e então poderemos ser racionais novamente. Catherine virou a sua cabeça, sem saber se poderia aventurar-se a rir. Vejo o que você pensa de mim, ele disse, gravemente». In Jane Austen, A Abadia de Northanger, 1802 /1817, Relógio d’Água, 2016, ISBN 978-989-641-596-9.

Cortesia de Rd’Água/JDACT