sexta-feira, 1 de abril de 2011

Infanta D. Maria de Portugal. As suas Damas: «Vénus depois de ter avistado o retrato de Maria, foi levando-o para o mostrar a seu filho. E disse: não ignoras o que de há muito os fados andam à procura de um esposo digno desta dama e que não o encontram»

Cortesia de wook 

Com a devida vénia a Carolina Michaelis de Vasconcelos e a Enclave de Reabilitação Profissional da Biblioteca Nacional, Novembro 1994, edição facsimilada, WOOK, ISBN 972-565-198-7.

«A respeito de uma pintura, de autor desconhecido, enviada a França em fins de 1541 ou princípios de 1542 e que representava a Infanta na flor da idade, possuímos assentos da própria mãe numa carta à filha. Acusando a recepção, sem grandes demonstrações de alegria, reprimindo pelo contrário suspiros e lágrimas de desconsolo e medindo cada expressão, a rainha D. Leonor escreve apenas:
  • Con vuesta pintura, hija, he holgado mucho… pues no puedo ver lo natural. Plega a Dios que pueda ser alguna hora y com vustro contentamento, que será lo mio!
Quão profundas mágoas se escondem sob estas frases singelas.

Cortesia de fundacaooriente
Até morrer com Francisco de Holanda, o já mencionado originalíssimo autor de um tratado extenso sobre a «Arte de tirar ao natural» que é único no seu género. Comparar fidalgas portuguesas, de espírito culto e costumes impecáveis, afamadas não menos pela bondade e nobreza de um carácter privilegiado em que tudo era genuíno, do que pelo sangue, engenho e erudição, era uma homenagem primorosa.
Pena é que não nos seja dado verificar, até que ponto o Miguel Ângelo português sondou e reconstruiu a mais fina organização da renascença nacional.

Com livros não a rodeou, de certo. Seu principal empenho era mostrá-la bela, casta e inteligente, digna de ser amada por Filipe de Espanha, seu pretendente nos anos de 1549 a 1552.
Eis os breves mas finos encómios que um douto jurisconsulto, admirador do pintor e do modelo:

Vénus depois de ter avistado o retrato de Maria,
Foi levando-o para o mostrar a seu filho. E disse:
Não ignoras o que de há muito os fados andam à procura
De um esposo digno desta dama e que não o encontram.
Larga o arco; deixa as setas: leva somente esta tábua,
E novos títulos de honra juntarás à tua glória.
Reduzindo a cativeiro o monarca do mundo,
Ganharás um só mas ingente troféu.

Cortesia de fundacaooriente 
O segundo epigrama do mesmo humanista é mais explícito, e mais descritivo:

Representar ao vivo a divina Maria
Tentou Hollanda, empresa altíssima, digna do artista.
Do mesmo modo a representou como pelo vate meonio
Foi figurada a filha de Alkinoos, igual
Em virginal gentileza à deusa Artemis.
Os olhos parecem fulgurar na fronte astral;
A pudicícia tinge de rosas as suas faces:
Majestática é a e estatura e o porte; ninguém
Pode duvidar se é, ou não, nas alturas que ela se move.
Como outrora Zeuxis soube figurar a Penélope,
Honesta a ponto de parecer a estátua da própria castidade,
Assim o feliz pincel de Hollanda faz entrever nesta tábua
A pureza dos costumes da augusta donzela.
Se fosse dado aos olhos dos mortais avistar
A virtude em pessoa, é essa expressão que lhe veriam.
Mas não foi possível comunicar-lhe aquela suave graça
A que não existe nada superior no mundo inteiro.

As alusões ao livro VI da Odisseia, equiparando a jovem princesa helénica à pudica irmã de Apolo, podiam provocar em alguém a suposição de Hollanda não ter traçado um simples retrato da Infanta, em traje singelo ou festivo, mas antes uma cena mitológica, mostrando-a cercada de uma alegre comitiva, radiantes de mocidade, as quais vencia pelo esplendor da beleza, a elevada estatura e o fausto dos indumentos, quer fosse nos bosques de Sintra como Diana caçadora, quer nas praias do oceano.

Cortesia de fundacaooriente
Contudo, se tal presumisse, andava enganado. A Infanta não era caçadora. E a invocação de uma terceira figura, sempre representada a fiar, ao pé do lar abandonada pelo astuto Ulysses, embarga completamente tal interpretação.
Apenas se pode inferir o que já indiquei:
  • que a tábua perdida dava ideia adequada da sua pudibunda e nobre formosura.
Nas epígrafes do subtil Manuel da Costa não se acha exarado o nome do pintor. Mas o texto não deixa dúvidas a este respeito:

Exprimere ad vivum divinam Ollanda
Mariam tentavit…
Et Félix manus Ollanda monstravit
Eadem Augusta mores Birginis in tabula.

Cortesia de Livraria Wook/JDACT