sexta-feira, 16 de março de 2012

Campos Matos. Eugénio Lisboa. Vário, intrépido e fecundo. Uma homenagem. «Serve para o mesmo que um poema épico, uma tragédia, uma sonata, um quadro de género, uma escultura. O préstimo que tem é entreter a gente; a crítica serve para nos dar prazer. Ousemos afirmar que é uma obra de arte, e que se lê como tal [...]. É necessário conhecê-lo! É necessário!"...»

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Alguns relances sobre Eugénio Lisboa
“[…] admirar alguém não é dar-lhe, sem reservas, benesses e coroas de louro. Não é possível, a duas pessoas que não desistem de pensar, estarem sistematicamente de acordo”. In Eugénio Lisboa, Eduardo Lourenço, Os cornos do Dilema”

«Há muito que um amigo comum, Luís Amaro, poeta e bibliófilo, benfeitor de todos os carentes de informação literária, me perguntava: 
  •  "então não conhece o Eugénio Lisboa? É necessário conhecê-lo! É necessário!"...

Aquele meu amigo lançava-me este "é necessário" com voz solene e cava, voz convicta de uma verdade indiscutível. Passava-se isto por finais de 1996, e algum tempo depois combinávamos almoçar com o Eugénio, num restaurante das Avenidas Novas, não muito longe da Gulbenkian, quando Luís Amaro, que trabalhava na “Colóquio-Letras”, já tinha em mente reformar-se.

Educado no culto e admiração dos grandes da escrita e da arte em geral, sempre encarei com algum retraimento e timidez a abordagem pessoal de intelectuais de polpa, acudindo-me por vezes à lembrança o conhecido caso de não sei que escritor brasileiro que admirava o Torga mas não o queria conhecer pessoalmente para preservar essa admiração... Mas Amaro insistia e eu concordava: era "necessário" conhecer este crítico, de quem já havia lido, para lá da sua colaboração no JL (‘Jornal de Letras’), “José Régio, a Obra e o Homem” (biografia modelar); “As Vinte e Cinco Notas do Texto” e a “Crónica dos Anos da Peste”.
O que desde logo me atraíra na sua escrita, além da linguagem clara, precisa, simples, era a sua posição (que se me afigurara desde logo muito sergiana), de recusa frontal de dogmatismos teóricos pré-estabelecidos, sobretudo quando embrulhados numa linguagem abstrusa e esotérica. Mais claramente dizendo: recusa daquilo que uma académica, Maria de Lourdes Belchior, já em 1971 denunciara vigorosamente como linguagem "desvairada", ou seja, "o uso abusivo de uma terminologia caótica e o novo-riquismo de certas amostras de vocabulário ‘crítico’ [...]" Com efeito, no "Prefácio" de “Os Homens e os Livros II”, além da denúncia do desvario, ela fazia também a citação oportuna do poema de Carlos Drummond de Andrade "Exorcismo", cujo “incipit” vem aqui divertir-nos: 
  • Da leitura sintagmática / Da leitura paradigmática do enunciado / Da linguagem fática / Da fatividade e da não fatividade na oração principal / Libera nos Domine. // Da organização categorial da língua / Da principalidade da língua no conjunto dos sistemas semiológicos / Da concretez das unidades no estatuto que dialetalize a língua / Da ortolinguagem / Libera nos Domine.

Ia eu, pois, esclarecendo e querendo significar, que o nosso encontro havia sido motivado, sobretudo, por afinidades várias, geracionais até. Entre elas as de outros posicionamentos de Eugénio Lisboa:  
  • o de que a análise de um texto se deve fazer pela sua leitura em profundidade, "ler, ler e ler" como ele diz no belo "Pórtico" d'as “Vinte e Cinco Notas do Texto”, e o de que a crítica tem de implicar clareza, convocando desta feita, expressamente, António Sérgio, o autor dos “Ensaios”.

E é ainda este meu autor de cabeceira que Eugénio Lisboa cita nas suas reflexões, quando termina por nos afirmar que os textos que nos oferece são o produto "de um exercício que lhe deu prazer". Ainda aqui nos parece sergiana esta tonalidade porque nos acode à mente o que Sérgio nos deixou no prefácio do 3º volume das “Ensaios”, quando, ao questionar sobre o préstimo da crítica, nos responde com meridiana simplicidade: 
  • Serve para o mesmo que um poema épico, uma tragédia, uma sonata, um quadro de género, uma escultura. O préstimo que tem é entreter a gente; a crítica serve para nos dar prazer. Ousemos afirmar que é uma obra de arte, e que se lê como tal [...].

Ora aqui está: a crítica é uma obra de arte que se lê, ou deve ler como tal. E de facto "obras de arte" são muitos dos textos que me tem oferecido o autor do “Portugaliae Monurnenta Frivola”. Sem qualquer esforço de memória, ou pesquisa, com a nitidez que me deu a primeira leitura que dele fiz, recordo o pequeno texto "João Gaspar Simões, atirador solitário", que Eugénio Lisboa dedicou ao biógrafo de Eça de Queiroz, por ocasião do octogésimo aniversário deste crítico e biógrafo». In Campos Matos, Eugénio Lisboa: Vário, intrépido e fecundo. Uma homenagem, organização de Otília P. Martins e Onésio T. Almeida, Opera Omnia, 2011, ISBN 978-989-8309-20-4.

Cortesia de Opera Omnia/JDACT