sábado, 31 de março de 2012

Fernando Pessoa e os Mundos Esotéricos. José Manuel Anes. «Mas note-se que também foi influente neste distanciamento, uma progressiva aproximação de Pessoa ao mundo do esoterismo ocidental (de que o fragmento de “O Filósofo Hermético”, é exemplar): gnose, hermetismo, rosacrucianismo, maçonaria, templarismo…»


jdact e cortesia da wikipedia

Teosofia
«Mas algumas das críticas que dirigiu à fundadora da Sociedade Teosófica revelavam uma indisfarçável animosidade, ‘A Teosofia é um sistema criador de mulheres. A natureza, porém, é mais subtil que os teosofistas. (...). A Teosofia, afinal, não passa de um sistema de filosofia indiana que, por tipicamente vago e lato (...)’, coincidindo com um progressivo afastamento do esoterismo oriental e, simultaneamente, uma aproximação ao hermetismo ocidental, cristão ou não cristão:  
  • ‘Deixe os espíritos e teósofos orientais. São quando muito público para iniciados. Nada mais são. Acredite. E acredite também que a sciencia hermetica é uma sciencia(...)’

Cremos que terão tido efeito nesta distanciação de Pessoa face à Teosofia de H.P.B., o conhecimento por parte do Poeta, das (talvez injustas) acusações de plágio e fraude (relativamente à transmissão das cartas do “Mahatma” que foram dirigidas contra Blavatsky (o ‘caso Coulomb’ e o ‘relatório Hodgson’) e que provocaram nesta um enorme desgosto e um grande abatimento físico e, também, as acusações de que ela teria provocado algumas manifestações mediúnicas, por meio de efeitos artificiais.
Para além disso, pensamos ser possível que os argumentos críticos que René Guénon (1886-1951) dirigiu contra a Teosofia de Blavatsky possam ter chegado ao conhecimento de Pessoa, pois se, de facto, não existe hoje nenhum livro de Guénon na sua biblioteca, isso não quer dizer que o Poeta não tenha lido esses livros (ou de sua pertença, entretanto vendidos ou extraviados, ou então emprestados por amigos). Mas note-se que também foi influente neste distanciamento, uma progressiva aproximação de Pessoa ao mundo do esoterismo ocidental (de que o fragmento de “O Filósofo Hermético”, é exemplar): gnose, hermetismo, rosacrucianismo, maçonaria, templarismo, etc.
Como salienta António Quadros:  
  • “É pela voz do seu semi-heterónimo ou sub-heterónimo Raphael Baldaya, que (Pessoa) acaba por considerar a teosofia não como uma continuidade da tradição hermética ou esotérica, conforme queria Annie Besant, mas como uma exposição confusa, propositadamente confusa, das teorias que formavam a base metafisica das sociedades secretas como as dos Rosa-Cruz, com vista à democratização do hermetismo. Se se quiser é uma cristianização dele”.

Após esta crítica da Teosofia, e também da mediunidade e do Espiritismo (também aqui, com argumentos semelhantes aos de Guénon...), Pessoa entra em pleno “estádio gnóstico”, claramente o mais interessante e fecundo, ‘empenhando-se’, como escreve Quadros: 
  • ‘a fundo, no estudo das chamadas ciências ocultas ocidentais, chegando ao ponto de se afirmar como “cristão gnóstico”.

Cortesia de wikipedia

No entanto, e apesar de tudo, algo do pensamento doutrinário de Blavatsky persistirá em Pessoa, aflorando aqui e além nas suas reflexões esotéricas posteriores. Assim, por exemplo, no seu “Ensaio sobre a Iniciação”, o Poeta escreve que “o significado real da iniciação é que este mundo visível em que vivemos é um símbolo e uma sombra, que esta vida que conhecemos através dos sentidos é uma morte e um sono, ou, por outras palavras, que o que vemos é uma ilusão. A iniciação é o dissipar, um dissipar gradual e parcial dessa ilusão”. Ora, esta doutrina do desvendar dos véus, que se encontra, é certo, no Ocidente, quer na “Cabala”, quer na “Gnose”, tem muito a ver até pelo modo como é exposta por Pessoa com o maya ("ilusão") do Hinduísmo, veiculado até ao Poeta, muito provavelmente, pela teosofia blavatskiana.

NOTA: Maya é a ‘Ilusão Cósmica’ mantida pelo homem ignorante, a existência com jogo ilusório em relação ao Princípio, sendo o Brahman o único real, como Absoluto e sendo o Universo o reflexo.

Então poderemos dizer que, em Pessoa, apesar de Blavatsky, ainda Blavatsky, o que se poderá aplicar também a muitos dos que, no campo do esoterismo, criticam e se distanciam desta mulher ímpar, não deixando, no entanto, de ser fortemente influenciados por ela e pelas suas ideias, apesar de contraditória e polémica». In José Manuel Anes, Fernando Pessoa e os Mundos Esotéricos, Ésquilo 2008, ISBN 978-989-8092-27-4.

Cortesia de Ésquilo/JDACT