segunda-feira, 19 de março de 2012

A Tertúlia Ocidental. António José Saraiva. «Eça de Queiroz continua a ser um dos pontos mais altos da prosa portuguesa. Oliveira Martins permanece o único historiador português, e o maior historiador da Península, único no sentido de que ninguém mais considerou a história de uma nação no seu conjunto como uma totalidade»


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«Não queremos omitir um homem que de certo modo foi excluído ou se excluiu a si mesmo desta tertúlia: Teófilo Braga, que não deixou de influenciar a órbita dos outros como um astro invisível. Ele não colaborou no “In Memoriam” de Antero de Quental, mas aproveitou a oportunidade do seu aparecimento em volume para publicar com este mesmo título no “Jornal do Comércio” do Rio de Janeiro um artigo acintoso para Antero, em que lamenta que o médico Sousa Martins, confrade positivista, tenha dado a sua colaboração a estes amigos de Antero, que, insinua, são ‘amigos dos diabos’ (sic).
A importância desta tertúlia para Portugal foi enorme e durável, quer pela qualidade dos seus componentes, quer pela influência que exerceram nos contemporâneos e nos pósteros.

Antero de Quental, nas “Odes Modernas”, fez nascer entre nós, uma escola poética que marcou Gomes Leal e Guerra Junqueiro; deixou reflexões em prosa que, até certo ponto, atenuam a indigência filosófica que sempre nos caracterizou, e produziu nos “Sonetos” alguns dos momentos supremos da poesia portuguesa do século XIX. Eça de Queiroz continua a ser um dos pontos mais altos da prosa portuguesa. Oliveira Martins permanece o único historiador português, e o maior historiador da Península, único no sentido de que ninguém mais considerou a história de uma nação no seu conjunto como uma totalidade.
Criou um problema, que permanece vivo, entre si próprio e a sua nação, que continua a ver-se no espelho que ele lhe deixou e que se tomou uma provocação permanente para os intelectuais portugueses.
Homens desta qualidade intelectual e afectiva, porque nunca se viu entre grandes homens uma amizade tão intensa, foram como carvões que mutuamente se aquecem e que produziram uma luz que alumiou o final do século. A república foi o fruto que eles não desejaram, mas que a eles se deve, como se lhes deve também o sistema corporativo e socializante intentado pelo ‘Estado Novo’.

Chamamos a este grupo “tertúlia ocidental” porque o seu encontro se dá na linha ‘onde a terra acaba e o mar começa' no ocidente da Península, ora em Coimbra, ora em Lisboa, ora no Porto, cidades onde se reuniu o grupo que ficou sendo conhecido por “o Cenáculo” e que assumiu várias metamorfoses, a última das quais foi a dos “Vencidos da Vida”.

A luz que deste grupo irradiou chegou também a homens de outra esfera como Rafael Bordalo Pinheiro, que acompanhou com o lápis as ‘Conferências do Casino’, a personalidade de Eça de Queiroz e, em duas fases diferentes da vida, a de Oliveira Martins.

Também seu irmão Columbano, a quem devemos os retratos de todos os membros do grupo, desde o espectral Antero, passando por Oliveira Martins, que parece esconder-se dentro da sua carnação; posaram também como modelos de Columbano os diplomatas elegantes que foram Eça de Queiroz e Jaime Batalha Reis». In Tertúlia Ocidental. Estudos sobre Antero de Quental, Oliveira Martins, Eça de Queiroz e Outros, António José Saraiva, Herdeiros de António José Saraiva e Gradiva Publicações, 1996, ISBN 972-662-475-4.

Cortesia de Gradiva/JDACT