quarta-feira, 21 de março de 2012

Portugal e a Universidade de Salamanca. Participação dos escolares lusos no governo do Estudo, 1503 a 1512. Armando Marques. «Mais recordações de Portugal?! As suas muralhas entradas e apoderadas por Afonso Henriques e Dinis. O senhorio que dentro delas fizeram Pedro, filho de D. Sancho I, e a “formosíssima Maria”, filha de Afonso IV e mulher de Afonso XI, protector da Universidade»

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Del color de la espiga madura”, este formoso epíteto que se dá modernamente a Salamanca, bem lho podiam haver consignado naquele decénio de 1503-1512, porque já então refulgiam, com a tonalidade mate e oiro que lhe emprestam os poentes incomparáveis de Castela, as pedras morenas de muitos dos monumentos que hoje admiramos:  
  • a Catedral Velha, que remonta ao século XII e casa o seu românico peculiar com interessantes sepulcros góticos e o extraordinário retábulo de Nicolau Florentino;
  • a Universidade, cuja fábrica é do tempo dos Reis Católicos e de que a fachada plateresca mais parece fino bordado que obra de cantaria;
  • a Casa das Conchas e a Torre del Clavero, ambas do século XV;
  • os escrínios de arte que são as igrejas de San Benito e San Martín;
  • e o mais que se poderia acrescentar.

Não era menor, por certo, o tipicismo do bairro universitário, de ruelas estreitas, em cujas fachadas de pedra se pintavam com almagre e sangue de boi os famosos “victores”, espécie de cartazes de saudação aos novos doutores, que ainda hoje se vêm, somente um pouco mais delidos. E a velha ponte romana franqueava as portas da cidade a quem vinha do sul, numa aguarela polícroma em que se misturavam o azul do céu, a levada com os seus moinhos, o renque dos choupos nas margens e nas ínsuas, a silhueta do burgo espelhando-se, plácida, no cristal diáfano do rio...

E quantas coisas, nas pedras, nas crónicas, na tradição, evocavam o nome de Portugal, a memória dos Portugueses! Cidade muitas vezes devastada pelas guerras com os mouros, foi repovoada no século XI graças aos esforços do conde Raimundo e de D. Urraca. Lá se estabeleceram, então, numerosas gentes e, entre elas, avantajada leva de coimbrãos que eram acaudilhados por D. Godinho, dando origem a três das prístinas freguesias de Salamanca: S. Paulo, S. Tomás Cantuariense e S. Estêvão de los Godínez, assim chamada de Godinho, cepa originária da estirpe dos Godínez duques de Tamames e dos condes de Santibáñez. E é curioso que a igreja de Santo Estêvão proto-mártir, erguida por esses povoadores portugueses, seria o núcleo central do futuro convento dominicano de San Esteban, não o que agora vemos e se começou a lavrar em 1524, mas o que o precedeu e foi construído em grande parte graças à munificência da família portuguesa dos Godins.

Desenho de Júlio Gil
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Mais recordações de Portugal?! As suas muralhas entradas e apoderadas por Afonso Henriques e Dinis. O senhorio que dentro delas fizeram Pedro, filho de D. Sancho I, e a “formosíssima Maria”, filha de Afonso IV e mulher de Afonso XI, protector da Universidade. A faustosa boda que, mais uns trinta anos, e realizariam lá a nossa gentil princesa D. Maria, filha de João III, e o então príncipe Filipe II, que assistiu à entrada da noiva na cidade, disfarçado à janela da casa do Dr. Olivares, físico real 4, etc. Mas outra realidade bem mais palpável que estas suaves evocações históricas atraía os portugueses a Salamanca, e em tão grande número que quase se sentiam em sua casa: a proximidade e o prestígio do ‘almo Estudo’.
A dois passos da raia portuguesa, a velha Universidade ficava mais próxima que Lisboa para os estudantes de todo o norte do país e oferecia, mesmo para os outros, uma barateza de passadio que estava em flagrante contraste com a carestia de vida a que se chegara na capital portuguesa, por obra e graça da aventura dos Descobrimentos. Por outro lado, não sofria comparação o ensino ministrado lá e aqui. Nos primórdios do século XVI, Salamanca continuava a ser um dos mais importantes centros escolares da Europa e a merecer o elogio que lhe-fizera Alexandre IV em 1254, ao apelidá-la com a de “Oxónia”, ‘Bolonha’ e ‘Paris’, uma das quatro grandes lumieiras do orbe. Por isso, regista durante essa centúria e na anterior uma média anual de 500 a 600 estudantes nossos (cerca de 10% do total).

A pujança desta presença conferiu-lhes o direito de constituírem, com galegos e asturianos, a nação portuguesa e a serem representados por um conselheiro no senado de oito que elegia o reitor e o auxiliava no governo da Universidade. Tinham igualmente a sua confraria, erecta na igreja de Santa Maria de la Vega, sob cuja égide se encontravam.
O templo e o mosteiro, que remontam a 1166, passaram por muitas transformações e eram sede dum colégio menor, cujos escolares trajavam de manto negro cerrado e murça igualmente negra. Situava-se num rincão verdejante do Tormes, na margem esquerda, e lá se celebravam as juntas da tribo lusitana». In Armando J. Marques, Portugal e a Universidade de Salamanca, Participação dos escolares lusos no governo do Estudo, 1503 a 1512, ediciones Universidad de Salamanca, Prémio de História Calouste Gulbenkian, História da Presença Portuguesa no Mundo, 1978, Salamanca, 1980.

Cortesia da Universidade de Salamanca/JDACT