terça-feira, 14 de janeiro de 2014

A Reconstrução de Lisboa e a Arquitectura Pombalina. José Augusto França. «Resta ainda um projecto, o traçado por Eugénio Santos (n.º 5), que foi finalmente aprovado por Pombal, e posto em execução com alterações de pormenor. Ele constitui a peça fundamental do processo da ‘Baixa Pombalina’»

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Os Programas de Manuel Maia
«(…) A terceira proposta, da equipa de Eugénio Santos, forma, em certa medida, uma síntese das outras duas, ao respeitar certos valores da imagem antiga da cidade e ao assumir uma modernização da sua rede urbana. Embora cortadas, mas não interrompidas, por um sistema de ruas na direcção da Nova dos Ferros, três outras sobem do Terreiro do Paço até ao Rossio, realizando assim a ligação directa que se impunha. O seu carácter oblíquo reproduz ainda as linhas de força da malha antiga, mas racionalizando-a da forma mais conveniente. A maior novidade deste plano é, porém, constituída pelo tratamento do Terreiro do Paço que obtém a sua independência urbana, com uma nova forma quadrada que há-de comandar os princípios de toda a urbanização da Baixa. A progressão ideográfica que se observa nestas três plantas, e a síntese encontrada na terceira, após um estado algo irreal que a segunda manifestava, permite-nos apreciar o processo mental que se desenrolava, e entender, agora, que a solução final devia ter a sua radicação no próprio tratamento do terreiro real. A ideia de Eugénio Santos, atribuindo à grande praça um papel piloto na topologia geral da área, assume, por outro lado, um significado simbólico que não pode ser esquecido, com a sua conotação ideológica, e, consequentemente, política. A segunda série dos projectos apresentados assumirá essa responsabilidade: a sua regularização é efeito do dado adquirido da imagem regular e monumental do Terreiro do Paço, que, nos seus avatares, não mais poderá perder esse carácter.
Traçados com inteira liberdade, os planos entregues por Gualter Fonseca e Elias S. Poppe (n.os 4 e 6), são estritamente dominados pela ideia de uma malha regular de ruas que liguem as duas praças, através dum sistema de perpendiculares e de transversais e com inteira exclusão de qualquer oblíqua que lembrasse estruturas anteriores. O princípio ortogonal era exigido e quase obsessivamente satisfeito na primeira destas plantas, para além das possibilidades das cotas a que não se atendia concretamente. Poppe traçou um plano mais maleável e mais imaginoso, embora a sua quadrícula fosse extremamente monótona, com os seus nove quarteirões iguais, no sentido S.-N. Gualter previra apenas quatro, mas demasiadamente alongados, e a interrupção que um e outro urbanista marcavam no seu reticulado, para criar local apropriado para a igreja de S. Nicolau (situação aliás constante em todas as anteriores plantas), era a única defesa contra uma seriação passiva, defesa, de resto, brilhante, pelo seu monumentalismo, no projecto de Poppe. Nos dois planos, o Terreiro do Paço, especialmente atendido, apresentava, porém, soluções bem diferentes. Enquanto Gualter Fonseca igualava a sua área à do Rossio, num erro manifesto, em relação à estrutura necessária da nova cidade, tanto quanto uma imagem tradicional e constante de Lisboa, Poppe fazia pior, em outro sentido, com uma justificação monumentalista impossível de aceitar. Com efeito, a planta n.° 6 fecha o Terreiro do Paço, tornando-o uma praça interior, separada do Tejo que é a sua razão de ser topológica. Uma monumentalidade mal compreendida erigia dois grandes edifícios, Bolsa do Comércio e Armazém do Tabaco, na face sul da praça, e levantava, na sua face poente, uma vasta igreja patriarcal, ideia nova que punha, inoportunamente, o problema da reconstrução deste templo que ia sendo satisfeito por instalações provisórias. O plano de Poppe, por outro lado, trazia um reforço à densidade das igrejas da Baixa, cerca de uma dúzia, que devia ser respeitada.
Resta ainda um projecto, o traçado por Eugénio Santos (n.º 5), que foi finalmente aprovado por Pombal, e posto em execução com alterações de pormenor. Ele constitui a peça fundamental do processo da Baixa Pombalina, e o facto de ser o melhor, o mais inteligente e sensível nas soluções trazidas aos vários problemas que se punham, prova o talento do seu autor, tanto como a inteligência política do ministro que por ele soube optar, entendendo o seu papel, no quadro dum despotismo iluminado que ele próprio assumia. A planta de Eugénio Santos é constituída por uma malha assaz complexa de ruas que garante a dinamização do conjunto. Os dois pólos da Baixa, o Terreiro do Paço e o Rossio, são definidos substantivamente e assumem o seu papel definitivo, ao ser possível alinharem-se os seus lados poente que em todos os outros projectos se desencontravam, à maneira antiga. Mas o Terreiro do Paço é mais largo, como sempre foi, embora diminuído em relação às dimensões precedentes, e toma uma forma (quase) quadrada. Três ruas nobres sobem do Terreiro para o Rossio, sem interrupção, mas só as duas primeiras, do lado poente, desembocam na sua área. Assim, as três ruas do lado sul são apenas duas do lado norte, numa praça e noutra, tendo o Terreiro três acessos e o Rossio, em princípio, apenas dois; veremos como o problema foi resolvido nesta última praça. Mas, além do mais duas ruas de idêntico comprimento, no sentido S.-N., a planta propõe três que, chegando à linha sul do Rossio, não partem directamente do Terreiro do Paço, mas nascem três quarteirões acima. Isso permite activar o ritmo da malha urbana, evitando a sua monotonia, para o que igualmente contribuem as ruas transversais, sete no total, mas três intervindo de maneira particular, pois definem blocos de casas de diferente configuração. A variação da largura das ruas e a variação de forma e da orientação dos quarteirões (quarenta alongando-se no sentido S.-N., doze no sentido E.-O. e três quadrados) determinam um processo urbanístico dinâmico. Este define-se ainda na encosta de S. Francisco, consequentemente regularizada de um lado e do outro da rua das Portas de Sta. Catarina (Garrett actual), e, junto ao Tejo, para além do Arsenal, no Bairro de S. Paulo. Entre uma e outra zona observa-se ainda um sistema irradiante, no Ferragial, que não seria cumprido, mas que marca uma situação inédita no processo programado ao longo dos seis projectos». In José Augusto França, A Reconstrução de Lisboa e a Arquitectura Pombalina, Director da Publicação António Quadros, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Oficinas Gráficas da Minerva do Comércio, Instituto Camões, 1986.

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