segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Espaço. Poder e Memória. A Catedral de Lamego, Séculos XII a XX. Maria do Rosário B. Morujão. «Foi o caso de Lamego, que ficou durante mais de sessenta anos sob autoridade muçulmana, e se tornou a mais importante e bem fortificada cidade da região, tendo chegado a fazer parte do reino taifa de Badajoz»

Sé de Lamego, 1920
jdact e wikipedia

Construir e Organizar. A diocese de Lamego nas suas origens
«(…) É possível que Fiôncio tenha tido um ou mais sucessores, antes da queda da cidade em poder dos muçulmanos, poucos anos volvidos sobre a travessia do estreito de Gibraltar pelas tropas de Tarique, em 711. O seu rápido avanço em direcção ao norte peninsular provocou a desorganização das estruturas do reino visigodo, não apenas civis, mas também eclesiásticas; não admira, pois, que deixe de haver menções a prelados, tanto em Lamego como em grande parte dos bispados hispânicos, sobretudo à medida que iam ficando sob domínio muçulmano. À semelhança de outras dioceses, Lamego talvez tenha mantido durante a ocupação sarracena bispos não residentes, que se acolhiam mais a norte, em terras cristãs, como indiciam as notícias das décadas iniciais do século X. Mas os seus nomes permanecem-nos desconhecidos, só voltando a haver referências a bispos na diocese depois de a cidade ter regressado a mãos cristãs, no último quartel do século IX, graças às acções militares do rei Afonso III (866-910), que permitiram devolver aos cristãos vastas zonas, desde o Minho ao Mondego.
O domínio cristão da cidade permitiu que as suas estruturas eclesiásticas se reactivassem e a igreja conhecesse um verdadeiro florescimento, bem patente nos fragmentos de importantes códices dessa época que ainda hoje se conservam. Neste período, temos de novo menções a bispos da diocese, muitas vezes incertas, porém, pois quase todas surgem em cópias tardias, a maioria das quais sofreu erros de leitura, interpolações ou falsificações. Seguindo um dos historiadores que com maior profundidade e de forma sistemática se tem, recentemente, empenhado no estudo destas matérias, Manuel Carriedo Tejedo, podemos associar aos nomes acima indicados mais sete prelados de Lamego.

Bispos de Lamego, séculos IX e X

No início da década de 80 do século X cessam, porém, uma vez mais, tais referências. Por essa altura, os exércitos do célebre Almançor avançavam pela península, chegando mesmo a ameaçar Santiago de Compostela. Diversas praças já recuperadas pela monarquia astur-leonesa voltaram ao domínio sarraceno. Foi o caso de Lamego, que ficou durante mais de sessenta anos sob autoridade muçulmana, e se tornou a mais importante e bem fortificada cidade da região, tendo chegado a fazer parte do reino taifa de Badajoz. Assim permaneceu até que, em meados do século XI, Fernando Magno se lançou numa acção conquistadora de larga escala, conhecida como Campanha da Beira, aproveitando a conjuntura favorável aos cristãos provocada pela fragmentação do califado de Córdova em pequenos reinos de taifas, que rivalizavam entre si.

A reconquista da cidade e a primeira tentativa de restauração da diocese
As incursões vitoriosas de Fernando Magno levadas a cabo entre 1055 e 1064 lograram recuperar para a coroa leonesa os territórios beirões perdidos no tempo de Almançor, como as fortalezas de Seia, Trancoso, Lamego, Tarouca, Viseu, Penalva e Coimbra.
Das três cidades citadas (Lamego, Viseu e Coimbra), a primeira a ser conquistada foi Lamego, em 1057; no ano seguinte, recuperou-se Viseu, e Coimbra caiu em poder dos cristãos em 1064. Várias fontes, como o Chronicon Lusitanum e o Obituário Lamecense, informam-nos sobre o dia exacto em que Lamego foi reconquistada: sábado, 29 de Novembro de 1057, dia da festa de S. Saturnino, graças a uma operação militar de grande envergadura, devido às fortes muralhas que rodeavam o castelo, já de si de difícil acesso, obrigando à utilização de engenhos de guerra, de torres de madeira e catapultas, como nos relatam as velhas páginas da Historia Silense.
Na sequência destas conquistas, a fronteira entre cristãos e muçulmanos passou a ter como limite o rio Mondego, e o monarca procedeu a profundas alterações na administração do território sob seu domínio. O antigo condado de Coimbra foi entregue ao moçárabe Sesnando, recompensado pelo precioso auxílio prestado a Fernando Magno com o governo desse vasto espaço, que se estendia desde a terra de Santa Maria, a norte, até à fronteira sarracena, a sul, abarcando a leste os territórios de Lamego e Viseu. À reconquista de uma sede de diocese seguia-se, por via de regra, a restauração da sua dignidade episcopal. Assim terá pretendido fazer o rei leonês, mas não chegou a concretizar tal intento, a não ser, segundo parece, em Viseu, onde, logo após a ocupação da cidade, encontramos um bispo de nome Sesnando (homónimo, pois, do conde conimbricense), que terá acompanhado o rei na conquista de Coimbra de 1064; de seguida, porém, cessam as notícias a seu respeito. Em Lamego, terá sido o filho de Fernando Magno, Sancho II, a nomear Pedro como bispo, em 1071, à semelhança do que fez em Braga, onde, também nesse ano, colocou na cátedra episcopal o célebre prelado do mesmo nome cuja actuação foi magistralmente estudada por Avelino de Jesus da Costa (O bispo D. Pedro e a organização da arquidiocese de Braga).

NOTA: Na primeira versão desta obra, o autor sustentara que a restauração das duas dioceses, Lamego e Braga, fora levada a cabo pelo rei Garcia e não por seu irmão Sancho II; na segunda edição, e partindo da descoberta de um novo documento, fica certo que o responsável pela colocação nas cátedras dos seus primeiros bispos pós-Reconquista foi, efectivamente, Sancho II, depois de ter vencido o seu irmão Garcia, como nos diz no volume I.

Ao contrário, porém, do que se passou em Braga, o bispo de Lamego teve um episcopado efémero, e não conheceu sucessor». In Maria do Rosário B. Morujão, Espaço, Poder e Memória. A Catedral de Lamego, Séculos XII a XX, Coordenação de Anísio Miguel Sousa Saraiva, Estudos de História Religiosa, Centro de Estudos de História Religiosa, Faculdade de Teologia, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 2013, ISBN: 978-972-8361-57-0

Cortesia da UCPortuguesa/JDACT