quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Modos de ver e de dar a ver os Painéis de São Vicente. Paula André, Luís Louzã Henriques, Luísa Isabel Martinho, Sónia Apolinário e Rui Reis Costa. «Se a imagem deixou de ser única e exclusiva, ao objecto de arte, à coisa, nada mais resta que transformar-se em objecto de mistério»

À esquerda o Painel do Infante da autoria dos alunos de EVT do 5.º ano, 2007/08; à direita o Painel do Infante, Painéis de São Vicente
Fotomontagem: Painéis de São Vicente, sobre Serra da Lousã, Talasnal, casa de xisto
Cortesia de midas

Modos de ver e de dar a ver os Painéis de São Vicente
As variações e os Painéis
«(…) A confrontação da obra com as suas variações será um epifenómeno da reprodutibilidade da imagem que a fotografia permitiu quando surgiu no século XIX, e que iniciou um caminho sem volta na relação das obras com as suas reproduções, infinitas e imprevisíveis. Este fenómeno acaba por conferir à obra de arte não uma desvalorização, mas, um estatuto de sacralidade: Se a imagem deixou de ser única e exclusiva, ao objecto de arte, à coisa, nada mais resta que transformar-se em objecto de mistério. Esta aura de que Berger fala é perfeitamente enquadrável no espaço do cubo branco que encerra a obra, como que guardando uma relíquia intemporal. Deste modo, o MNAA mantém os painéis na sala branca que os exibe permanentemente, ao mesmo tempo que reproduz, no topo das fachadas do Anexo, alguns dos rostos das personagens quinhentistas. A sacralidade da obra resguardada na sua célula convive com as reproduções dos rostos agigantados junto ao telhado, circundando o perímetro das fachadas do Anexo. O visual foi sempre importante nos museus e hoje em dia, numa sociedade onde predomina a cultura do visual, a utilização dos meios audiovisuais, torna-se atractiva num museu por ser familiar. Podem ser utilizados como complemento ao objecto em exposição ou substitui-lo. Pode ser integrado ao longo de uma exposição ou situar-se num local à parte. Permitem uma rápida actualização dos conteúdos, dando liberdade ao visitante de aceder ou não à informação.
O desenvolvimento dos meios informáticos e o surgimento da internet, assim como as novas tendências museológicas, como a nova museologia, levou ao aumento do uso do multimédia digital nos museus. O multimédia digital é o resultado da combinação de vários media, texto, fotografia, gráficos, vídeo, áudio e animação, onde a informação pode ser representada, armazenada, transmitida e processada digitalmente, usando um computador. No museu introduz novas formas de expor e de transmitir informação e altera a relação dos visitantes com o museu ao permitir a interactividade. Ao ser usado como complemento de uma exposição, facilita a transmissão da mensagem e dá pontos de vista diferentes aos objectos em exposição. Reinventa e populariza o museu tradicional repleto de objectos e textos, tornando a informação mais acessível, numa sociedade cada vez mais pluralista.
É neste contexto que a utilização da fotografia, como fonte documental pode ser utilizada. Desde o seu surgimento no século XIX, que a fotografia faz parte do nosso quotidiano. Ao reproduzir a realidade, adquire um carácter documental e imparcial, embora a imagem capturada retrate as opções do fotógrafo, as suas ideias, os seus modos de ver, assim como o que pretende transmitir. Com as evoluções tecnológicas e ao ser possível alterar, manipular as fotografias, o seu carácter documental pode ser posto em causa. A memória liga o passado ao presente. A fotografia ao captar um momento imortaliza-o e permite recordá-lo, transmite uma representação, uma imagem do passado às novas gerações. Funciona como testemunho da verdade e justifica a história, servindo de suporte à memória. As fotografias e desenhos que foram encontrados nos Arquivos e Biblioteca do MNAA, permitem documentar visualmente a informação escrita recolhida, permitindo visualizar os critérios expositivos de cada época, os diversos locais onde os painéis estiveram expostos, dentro e fora do museu e a disposição dos painéis. A realização de um filme utilizando essas fotografias e desenhos, permite visualizar o percurso dos Painéis durante estes 100 anos que se encontram em exposição. A sua integração no sítio do museu ou a sua utilização no interior do museu junto dos Painéis pode complementar a informação sobre estes, apresentando-os sob outra perspectiva, até agora ainda não abordada.

A paisagem e os Painéis
A imagem deste retrato colectivo, ícone atemporal da nação, pode virtualmente viajar pelo território português, revelando a sua diversidade regional e sublinhando os fundamentos da cultura portuguesa. A identidade nacional caracterizada pela diversidade regional motiva a contextualização da imagem dos Painéis na paisagem, promovendo a descoberta dos espaços rurais, e confirmando que nenhuma coisa pode ser nacional se não é popular. A habitação de raiz popular e rural foi abordada por inúmeros estudiosos, arquitectos, antropólogos, geógrafos de variadas vertentes num processo em que era ela o factor de uma certa uniformidade da cultura popular, para rapidamente se tornar num símbolo de uma arquitectura mais funcionalista. Uma primeira geração de arquitectos do século XX aborda-a num enquadramento de um nacionalismo unificador de um todo nacional numa época em que curiosamente outros símbolos da identidade nacional reemergiam, nomeadamente a ideia de uma pintura especificamente nacional, sendo os Painéis de São Vicente o exemplo máximo desta singularidade. No entanto, uma nova abordagem de cariz antropológico, talvez a mais interessante, irrompia. A da casa vista como um instrumento produtivo. Como Ernesto Veiga Oliveira, e Jorge Dias destacam que o interessante era o modo como ela funcionava no seio de um mundo específico, neste caso o mundo rural, como se ligava aos modos de vida das famílias e da comunidade em que se inseria. Mas também na sua paisagem». In. Paula André, Luís Louzã Henriques, Luísa Isabel Martinho, Sónia Apolinário e Rui Reis Costa, Modos de ver e de dar a ver os Painéis de São Vicente, Varia, Museus e Estudos Interdisciplinares, Revista MIDAS, 2, 2013.

Cortesia de Midas/JDACT