sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Fernando Pessoa no 31. Ricardo Reis. Lisboa. «Cada um cumpre o destino que lhe cumpre, e deseja o destino que deseja; nem cumpre o que deseja, nem deseja o que cumpre. Como as pedras na orla dos canteiros o Fado nos dispõe, e ali ficamos; que a Sorte nos fez postos onde houvemos de sê-lo»

jdact e wikipedia

Amo o que Vejo
Amo o que vejo porque deixarei
qualquer dia de o ver.
Amo-o também porque é.

No plácido intervalo em que me sinto,
do amar, mais que ser,
amo o haver tudo e a mim.

Melhor me não dariam, se voltassem,
os primitivos deuses,
que também, nada sabem.


Da Verdade não Quero Mais que a Vida
Sob a leve tutela
de deuses descuidosos,
quero gastar as concedidas horas
desta fadada vida.
Nada podendo contra
o ser que me fizeram,
desejo ao menos que me haja o Fado
dado a paz por destino.
Da verdade não quero
mais que a vida; que os deuses
dão vida e não verdade, nem talvez
saibam qual a verdade.


Não Sejamos Inteiros numa Fé talvez sem Causa
Meu gesto que destrói
a mole das formigas,
tomá-lo-ão elas por de um ser divino;
mas eu não sou divino para mim.

Assim talvez os deuses
para si o não sejam,
e só de serem do que nós maiores
tirem o serem deuses para nós.

Seja qual for o certo,
mesmo para com esses
que cremos serem deuses, não sejamos
inteiros numa fé talvez sem causa.

Poemas de Ricardo Reis, in "Odes" (Heterónimo de Fernando Pessoa)

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