domingo, 16 de março de 2014

A Rainha Adúltera. Joana de Portugal e o Enigma da Excelente Senhora. Marsilio Cassotti. «’Neisseria meningitidis’, que se incuba em poucos dias e que progride rapidamente levando o paciente a um estado de prostração, pasmo e coma em muito pouco tempo (...). O défice de leucócitos que causa é o responsável pelas manchas equimóticas…»

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Metida no Mosteiro de Santa Domingo de Toledo
«(…) O rumor sobre a paixão do rei de Castela pela mãe de Joana constitui a primeira pedra com a qual o cronista Alonso de Palencia começaria a levantar o edifício difamatório da futura esposa de Enrique IV. Mas ele próprio o desmentiria noutro capítulo da sua crónica, ao narrar que o condestável Álvaro de Luna desejava livrar-se de uma vez e, segundo se diz, com a cumplicidade do rei, das duas causas do seu receio para que a morte de uma rainha não fosse aviso para a outra (...).Uma das irmãs, a rainha de Portugal, residia em Toledo; a de Castela procurava alguma distração para os seus pesares percorrendo diferentes povoados da terra de Segóvia, de que naquela estação do ano costumava comer certo manjar caro para purificar o sangue. A servidora que havia de lhe dar o remédio, instruída de antemão para o crime e aliciada com dádivas, misturou-o com a peçonha que, alastrando lentamente, chegou ao coração justamente no momento em que se revelaram os sinais exteriores. Assim pereceu a esposa infeliz do rei e madre do príncipe infelicíssimo, cujo matrimónio careceu de gozo e cujo útero deu à luz praga cruel para Espanha e contágio funesto para todo o mundo. Segundo outra crónica, a rainha María de Castilla não esteve doente mais que quatro dias e nenhum outro movimento houve salvo dor de cabeça e apareceram-lhe por todo o corpo manchas arroxeadas inchadas como se tivesse recebido açoites e estas mesmas manchas roxas passaram para a Rainha de Portugal. O certo é que a 18 de Fevereiro de 1445, a consorte castelhana faleceu quando se encontrava na povoação de Villacastín. E poucos dias depois morreu também a mãe de Joana, coincidência terrível que fez circular o rumor de que fora envenenada igualmente por ordem de Álvaro Luna através de uma mulher que gozava da confiança da rainha. De modo que, segundo o palentino, D. María teve como companheira na morte a sua irmã, a Rainha, vítima no desterro do mesmo crime pela mesma mão perpetrado, mas deve ser julgada como mais infeliz, pois com aparente felicidade concebeu germes de uma dor maior nas três filhas que teve.
Na realidade, como defende um biógrafo da consorte castelhana, Leonor e María faleceram de morte natural. Com toda a probabilidade, os sintomas que se descrevem nas crónicas correspondem aos de um certo tipo de meningite provocado pela Neisseria meningitidis, que se incuba em poucos dias e que progride rapidamente levando o paciente a um estado de prostração, pasmo e coma em muito pouco tempo (...). O défice de leucócitos que causa é o responsável pelas manchas equimóticas que aparecem em todo o corpo, consequências dos múltiplos derrames que têm lugar. O príncipe Enrique soube da notícia da morte da mãe quando se encontrava em Segóvia. Há notícias de que mandou celebrar solenes funerais mas são desconhecidos os pormenores do óbito da mãe de Joana, assim como o destino imediato do seu cadáver. É provável que tivesse sido sepultada numa capela do mosteiro de Santo Domingo el Real de Toledo. A crónica de Rui de Pina, escrita durante o reinado de um neto da rainha Leonor, que também era neto do regente, meter-se-ia por malabarismos para deslindar responsabilidades para o infeliz final da rainha. Segundo este cronista, a opinião da maioria era a de que esta morte fora ordenada não pelo infante Pedro, como muitos maliciosos falsamente diriam, mas pelo condestável Álvaro de Luna, e que foi levada a cabo por uma mulher de Illescas, que tinha fácil acesso à casa da rainha e nela tinha grande familiaridade. Mas até um rei sagaz como Alfonso V de Aragão chegou a pensar que Leonor fora envenenada. Com efeito, em finais de Março de 1445 os belicosos infantes de Aragão encontravam-se na vila de Olmedo organizando tropas e dispostos a vingar as mortes das suas irmãs, pelas quais responsabilizavam o condestável de Castela.
Para fazer frente a esse desafio armado, um delegado de Álvaro Luna assinou pouco depois um acordo no qual o regente de Portugal se comprometia a enviar para Castela mil homens a cavalo e mil peões. Ao mesmo tempo que o infante Pedro punha à frente dessas tropas um filho de quinze anos que tinha o mesmo nome que ele, a mais formosa
e mais bem proporcionada criatura que se podia ver no seu tempo, nomeado condestável de Portugal pelo pai, o rei Alfonso V de Aragão escrevia uma carta ao rei de Portugal para lhe exprimir as condolências pela morte da mãe. Texto que esclarecia, em parte, a incógnita sobre a sorte de Joana depois da morte de D. Leonor, pois nessa missiva o monarca aragonês solicitava ao sobrinho homónimo que a infanta fosse entregue a Vasco de Gouveia, antigo servidor da falecida rainha». In A Rainha Adúltera, Joana de Portugal e o Enigma da Excelente Senhora, Crónica de uma difamação anunciada, Marsilio Cassotti, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-405-5.

Cortesia da E. dosLivros/JDACT