quarta-feira, 19 de março de 2014

Estudos sobre a Ordem de Avis. Séculos XII-XV. Maria Cristina A. Cunha. «Depois daquella batalha, por todos os seculos memorável, em que nos campos de Ourique aos 25 de Junho do anno do Senhor 1147 alcançou o Senhor Rey D. Affonso Henriques, a mais gloriosa de vitoria de cinco Reys Africanos, e de quatrocentos mil combatentes…»

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A Ordem de Avis na Idade Média (contexto histórico)
As Ordens Militares
«(…) Podem distinguir-se duas grandes etapas na história medieval destas instituições peninsulares: na primeira, que abarca os séculos XII e XIII, elas constituíam na Reconquista do território aos muçulmanos uma milícia permanente, com as vantagens que lhes advinham da adopção de uma rígida disciplina de natureza monástica. Em troca, os soberanos entregavam-lhes extensões de terras que sabiamente geriram. O resultado foi a criação de autênticos potentados, chefiados por um Mestre que, não raro, era um dos principais personagens do reino. É a segunda fase da vida destas instituições: detentoras de grande poder, as Ordens tornaram-se como que Estados dentro do Estado, o que originou graves conflitos entre elas e os reis, sobretudo quando estes se sentiam suficientemente fortes para as combater. No século XV os monarcas vão resolver o problema, procurando associar o mestrado e os cargos importantes das Ordens à Coroa: em Castela, o governo das milícias ficou nas mãos do rei; em Portugal, João I, à medida que os Mestres iam morrendo, foi entregando as Ordens Militares aos seus filhos. É assim que o Infante Henrique surge como administrador da Ordem de Cristo, o Infante João recebe o mestrado da Ordem de Santiago e o Infante Fernando o de Avis. Ao mesmo tempo, e com o aval da Santa Sé, o espírito das Ordens, nomeadamente da de Avis, altera-se substancialmente: os seus membros passam a poder dispor dos seus bens e a poder contrair matrimónio. De facto, já se estava longe do ascetismo inicial dos milites Christi ... A época moderna vai conhecer uma terceira fase das Ordens Militares: nesta altura, dá-se a incorporação definitiva das Ordens na Coroa, levada cabo por João III. O número de religiosos que vivem habitualmente no convento é agora bastante reduzido, e os títulos e comendas são entregues a nobres estranhos à Ordem.

As origens da Ordem de Avis e a sua relação com a monarquia
Depois daquella batalha, por todos os seculos memorável, em que nos campos de Ourique aos 25 de Junho do anno do Senhor 1147 alcançou o Senhor Rey D. Affonso Henriques, a mais gloriosa de vitoria de cinco Reys Africanos, e de quatrocentos mil combatentes; estimulados de brio Portuguez e Religião Christãa, como também cobiçosos da gloria, e honra militar alguns nobres, e alentados cavalleiros, à imitação dos antigos Macabeos se confederarão entre si e se derão juramento huuns aos outros de pelejarem pela Fé de Christo, defensa do Reyno e amor da Patria, até darem na campanha as proprias vidas; de cuja heroica resolução movidos outros, creceo de forte o seu numero, e desta liga Catholica se seguio tanta utilidade para o Reyno, que o Senhor Rey D. Affonso Henriques não somente lhes deu rendas para conseNarem a união mas convocando na cidade de Coimbra todos os Prelados do Reyno com o Cardeal Ostiense por nome Humbaldo legado a latere do Summo Pontífice os reduziu a huma vida regular debayxo da Regra de S. Bento com a reforma de Cister, que se confirmou no anno de 1162(…). Assim iniciava frei José da Purificação o Catalogo dos Mestres e Administradores da Ilustre e antiquissima Ordem Militar de Avis apresentado à Academia da História em 1722, assumindo uma posição semelhante à da maioria dos autores dos séculos XVI, XVII e XVIII: de facto, tanto eruditos portugueses como castelhanos subscreveram a ideia de que a Ordem de Avis descendia de uma Nova Milícia fundada em Coimbra em 1147. A única diferença residia no nome do legado pontifício presente em 1162: enquanto alguns confirmavam ou seguiam a ideia de Fr. José da Purificação, outros falavam do comissário papal como sendo João Cirita, abade de Tarouca. Assim sendo, a que viria a constituir a Ordem Militar teria surgido antes da de Calatrava (cuja fundação data de 1158) e seria uma das mais antigas Ordens Militares nascidas na Península Ibérica.
A primeira grande crítica a tudo quanto se havia escrito sobre as origens da Ordem Militar de Avis partiu do cardeal Saraiva. Afirmando que não havia provas documentais que justificassem as teses até então existentes, considerou o documento de 1162 falso porque nele se refere um abade de Tarouca que não se sabe se de facto existiu. Por outro lado, na sua perspectiva, não deixou de ser estranho o facto de ser um legado do Papa a instituir a Ordem, uma vez que normalmente era o Pontífice quem, através de Bulas, confirmava as milícias quando estas surgiam. É hoje ponto assente que o documento referido por frei José da Purificação é falso. Assim sendo, é necessário determinar com a maior exactidão possível a data de fundação da Ordem de Avis, até porque não chegou até aos nossos dias, ou pelo menos ainda não foi encontrada, nenhuma prova documental que nos indique com rigor tal acontecimento. Não restam quaisquer dúvidas de que a Ordem de Avis descendeu de uma milícia estabelecida em Évora, que reunia um grupo de cavaleiros em torno de um Mestre, Gonçalo Viegas de Lanhoso. Se a escolha do local para esta nova milícia parece óbvia, Évora era o posto mais avançado da Reconquista, a data em que tal facto ocorreu levanta ainda algumas questões a que vários autores procuraram dar resposta. Datando o foral de Évora de 1166 e o primeiro documento do cartório de Avis de 1176, a Ordem terá surgido nesta década. Através da análise minuciosa da evolução da política geral do reino, Ruy Pinto Azevedo concluiu que em 1169 a milícia de Évora ainda não estaria organizada, uma vez que o monarca apenas contava com o auxílio militar da Ordem do Templo nas suas campanhas. Do mesmo modo, aquele autor questiona a existência da milícia de Évora quando Afonso Henriques distribui as terras conquistadas nos anos anteriores, nomeadamente em 1172 e 1173: de facto, se ela já estivesse organizada, muito provavelmente também seria uma das contempladas. Assim sendo, terá sido durante o período de tréguas com o califa Abu Ya'qub Yusuf, ocorridas entre 1173 e 1178, que Afonso Henriques terá promovido o aparecimento de uma organização monástico-militar, na esperança de colmatar a falta que Geraldo Sem Pavor provocara na fronteira sul do reino. Assim sendo, Pinto de Azevedo conclui que Avis terá sido uma Ordem genuinamente portuguesa, criada pelo monarca entre Março de 1175 e Abril de 1176».

In Maria Cristina A. Cunha, Estudos sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV, Faculdade de Letras, Biblioteca Digital, Porto, 2009.

Cortesia da FL do Porto/JDACT