quinta-feira, 20 de março de 2014

Porque foi Conquistada Ceuta? O arranque dos Descobrimentos. Paulo Jorge Pinto. «Havia um sentido de legitimidade nas acções que visassem recuperar para a cristandade as terras que haviam sido ilegitimamente usurpadas, sobretudo Jerusalém e a Terra Santa. Foi este, grosseiramente, o objectivo das expedições conhecidas…»

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O ‘Arranque’ dos Descobrimentos
Porque foi conquistada Ceuta?
«A conquista da cidade de Ceuta, em 1415,assinala o início da expansão ultramarina portuguesa: é um dado consensual e que não oferece dúvidas a ninguém. Existe, contudo, uma série de factos, quer de pormenor quer de enquadramento, que envolvem a expedição militar (e o seu sucesso), que são geralmente omitidos ou minimizados e que permitem compreender melhor o real significado e o impacto deste evento. De um modo geral, considera-se este feito de armas como um arranque, um impulso e um primeiro passo para o expansionismo português e, mais concretamente, para a aventura dos Descobrimentos, mas esta ideia esconde alguns equívocos e necessita de alguns esclarecimentos. A primeira ideia a reter é a de que a expedição portuguesa a Ceuta não foi inédita. Na verdade, a iniciativa enquadrou-se na realidade medieval de confronto entre dois blocos, um cristão, a norte, e um muçulmano, a sul. Para o homem europeu da época, o Islão era o inimigo figadal por dois motivos: a sua religião era uma perversão abominável da verdadeira fé (e geralmente tratada como uma seita, uma corrupção do cristianismo e não como uma verdadeira religião) e, mais importante, os seus seguidores haviam invadido e ocupado, desde o século VII, todo o Médio Oriente e o Magreb, anteriormente cristãos.
Havia, portanto, um sentido de legitimidade nas acções que visassem recuperar para a cristandade as terras que haviam sido ilegitimamente usurpadas, sobretudo Jerusalém e a Terra Santa. Foi este, grosseiramente, o objectivo das expedições conhecidas como Cruzadas, entre os séculos XI e XIII. Por extensão, entendia-se portanto que a guerra ao mundo islâmico, ainda que longe do horizonte da Palestina, era um contributo parcial para este objectivo comum, prestigiado e louvável, segundo os padrões mentais da época. O papado dava cobertura ideológica, concedendo remissão dos pecados e outras benesses espirituais a estas iniciativas, quer se tratasse de expedições militares, quer de guerra de corso no Mediterrâneo ou no estreito de Gibraltar. É neste contexto que devem ser entendidos os diversos assaltos a cidades do norte de África, como a mesma Ceuta, Salé e Larache, no século XIII, e Mahdia (na actual Tunísia), nos fins do século XIV. S. Luís, rei de França, chegou mesmo a preparar uma cruzada contra Tunes, em 1270. Na Península Ibérica, o panorama era ainda mais claro: o avanço para sul dos reinos cristãos era considerado uma Cruzada do Ocidente, e a ideia de que se tratava de uma simples retoma, de uma Reconquista, subsistiu até aos nossos dias. Portugal cessara o seu avanço com a conquista do Algarve, nos fins do século XIII, mas permaneceu a noção de que esta reconquista deveria prosseguir além-mar. Afonso IV obteve uma bula de cruzada do papa para esse efeito e a criação simbólica de um bispado de Marrocos, tutelado por Portugal e Castela, é um sinal claro de que a intenção de avançar no norte de África estava viva». In Paulo Jorge Sousa Pinto, Os Portugueses Descobriram a Austrália? Porque foi Conquistada Ceuta? O arranque dos Descobrimentos, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-498-7.

Cortesia de E. dos Livros/JDACT