terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Catarina de Habsburgo. Rainha de Portugal. Yolanda Scheuber. «Quando o meu esposo, João III, faleceu, no ano do Senhor de 1557, todos os nossos filhos já tinham morrido. Com apenas três anos e estando sob os meus cuidados, o meu neto Sebastião…»

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«(…) No dia em que decidi entrar nele, as monjas acolheram a minha chegada com imensa alegria, consideraram que era uma grande honra eu as ter preferido. No entanto, a minha corte experimentou um profundo pesar, pois entendeu-o como um abandono da minha parte. E Portugal transformou-se a partir de então no alvo da política imperial dos Habsburgo, ao passar a minha regência, sobre o único herdeiro possível da Casa de Avis, o meu pequeno neto, o rei Sebastião, para o meu cunhado, o cardeal Henrique, irmão do meu esposo. Desejava recolher-me em solidão para rezar. Precisava disso quando tomei a decisão de o fazer e continuo a precisar ainda hoje; ou, por outras palavras, só desejei ser rainha para acompanhar o meu fiel esposo no difícil caminho da governação, mas, ao ficar viúva, não desejava continuar a ser soberana. À minha volta fui tecendo valas de silêncio e oração, e também de reflexão; aquilo a que aspirava era a amarrar-me à alma dos que mais amei e que já não são vivos. Apesar dos possíveis reparos que originava a minha decisão indeclinável de abandonar o mundo para me recolher no mosteiro, fiz saber por todo o reino que renunciava à regência do meu neto. Fazia-o porque já não desejava governar em seu nome, nem me encontrava com as forças necessárias para reger em seu lugar devido à minha idade. O único horizonte dos meus olhos nesses tempos era o convento, como quando era criança, e o único espaço onde se detinha o meu olhar eram os velhos muros de uma fortaleza abandonada.
Quando o meu esposo, João III, faleceu, no ano do Senhor de 1557, todos os nossos filhos já tinham morrido. Com apenas três anos e estando sob os meus cuidados, o meu neto Sebastião herdou o trono lusitano. O pequeno principezinho parecia estar condenado à felicidade e à boa esperança. Nascera a 20 de Janeiro de 1554, sob a protecção de São Sebastião, e, apesar de ter chegado ao mundo dezoito dias depois da morte do pai, o meu querido filho João Manuel, todo o Portugal o considerou um dom do céu, pelo que, para evitar o receio de a Lusitânia acabar por ser um território espanhol, o reino exultante o aclamou como Sebastião, o Desejado.
A sua mãe, a princesa Joana, arquiduquesa de Áustria e infanta de Espanha, era a filha mais nova do meu irmão, o imperador Carlos V que, com a intenção de abdicar do trono, a mandou visitar Espanha com urgência, a 17 de Maio desse ano, deixando o herdeiro aos meus cuidados. A jovem tinha apenas dezanove anos quando assumiu a regência daquele reino, a 12 de Junho de 1554. (Fê-lo porque seu irmão e herdeiro, o príncipe Filipe, viúvo da nossa filha Maria Manuela, tinha de partir para Inglaterra para desposar Maria I. Durante cinco anos, exerceu em seu nome a administração do governo. Amiga pessoal do fundador da Companhia de Jesus, Ignacio Loyola, e de quem fora na minha infância meu pajem em Tordesilhas, Francisco Borja, seu confessor, contou sempre com um apoio incondicional quando teve de assumir a regência.) E, assim, o pequeno infante, sem ter ainda feito quatro meses, teve de ser abandonado pela mãe, pois, ao ser herdeiro legítimo de Portugal, não a pôde acompanhar no seu destino.
Recordo a trágica tarde em que, com lágrimas nos olhos, Joana beijou com ternura, pela última vez, a testa do filho e deixou o menino entre os meus enlutados braços. Obrigada pelas urgências do império, o seu coração partiu-se em dois. A gravidade das circunstâncias encurtou o tempo da despedida. Eu considerei-o um triunfo pessoal do meu irmão e, na tarde em que Joana me anunciou a sua partida, invadiu-me uma profunda dor por ela e pelo menino». In Yolanda Scheuber, Catarina de Habsburgo, Rainha de Portugal, Ediciones Nowtilus, 2011, Casa das Letras, Oficina do Livro, 2013, ISBN 978-972-462-077-0.

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