sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

O Bibliotecário. AM Dean. «Talvez esteja enganada, conjecturou, sabendo que não era assim. Estou um pouco perturbada e confusa desde que me deram a notícia do assassínio»

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«(…) Os nossos planos são seguros. Por isso, deixe-nos tratar da nossa parte, e o senhor trata da sua. Assim, todos ficamos a ganhar. Permitiu que as palavras flutuassem entre eles no pesado ar do gabinete. Não perca de vista o seu rumo. Aquela aparente segurança incutiu confiança a Hines, apesar do pavor que sentia daquele tipo. Expirou, endireitou as costas e recuperou a compostura. Os estadistas deviam ser fortes, e ele estaria à altura da tarefa. Bem, então, falo consigo amanhã? O seu interlocutor assentiu e levantou-se da cadeira. Claro que sim, senhor vice-presidente.

Minnesota, 9h 45m CST
Emily ficou a olhar para a carta que tinha nas mãos. A folha oscilava e isso fê-la tomar consciência do seu próprio tremor. Releu a missiva uma vez mais, e outra e outra. Ficara a saber do assassínio de Arno Holmstrand há poucos minutos, e naquele momento segurava uma carta escrita por ele. Escrita antes da sua morte. Sabendo que ia morrer. É mais do que isso, ponderou Emily. Sabendo que ia ser assassinado. Esse facto constituía uma diferença considerável. E, sabendo-o, Arno Holmstrand havia escrito a Emily Wess. Um rei a escrever a um serviçal nos últimos momentos de vida. Não conseguia perceber porquê. O que quer que Arno tivesse descoberto, porque estaria ele a envolvê-la nisso? A relação directa entre a carta e a morte do seu autor fazia com que tudo se tornasse mais premente. Parecia plausível que o conhecimento mencionado naquela carta tivesse sido a causa do homicídio de Holmstrand. Ele mesmo o sugeria. E, portanto, não parecia improvável que a vida de Emily estivesse em risco pelo simples facto de ter a dita carta em seu poder. Revolveu-se-lhe o estômago só de pensar nisso e na realidade daquilo que tinha em seu poder.
Virou a carta e os seus olhos pousaram no número de telefone escrito no centro da página. O pedido de Arno era que ligasse para esse número, mas não esclarecera quem iria atender. Ficou gelada quando leu os dez dígitos escritos a tinta castanha no papel de carta do defunto. Estava surpreendida e confusa.
Era um número que conhecia na perfeição. Costumava ligar para aí através da sua lista de contactos, porém, ainda era capaz de recordar esse número. Era impossível não se lembrar. Pegou no auscultador do telefone do seu gabinete e marcou lentamente cada um dos dígitos. Talvez esteja enganada, conjecturou, sabendo que não era assim. Estou um pouco perturbada e confusa desde que me deram a notícia do assassínio. Não obstante, sabia que isso era mentira. A sua respiração acelerou quando deu o toque de chamada. Estava consciente de que, assim que se estabelecesse a ligação, os acontecimentos daquela manhã iam assumir uma nova dimensão. Esse momento chegou uns instantes depois. Quando atenderam do outro lado, escutou uma inspiração familiar como preâmbulo a uma saudação formulada por quem conhecia a pessoa que estava  ligar. Em! O sotaque britânico de Michael Torrance era inconfundível. Com um entusiasmo comparável à confusão dela, o noivo de Emily Wess cumprimentou o amor da sua vida». In AM Dean, O Bibliotecário, 2012, Clube do Autor, Lisboa, 2014, ISBN 978-989-724-124-6.

Cortesia de CdoAutor/JDACT