quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Monacato Feminino e Domínio Rural. O Património do Mosteiro de Santa Maria de Almoster no século XIV. José Manuel H Varandas. «Mas, por detrás da fachada estão as gentes que a construíram, a habitaram, a desenvolveram e a perderam. O conjunto monástico de Santa Maria de Almoster…»

Cortesia de wikipedia e jdact

«Almoster e o seu convento carecem de uma monografia aprofundada e exaustiva que tome por objecto a multiplicidade dos aspectos do quotidiano dos homens que, embora vivendo no campo, projectam nos espaços urbanos circundantes de que Santarém é o pólo dominante, anseios e paixões, projectos e desilusões que, constantemente, transparecem aos olhos do investigador mais atento. Estrangulada pelo peso da capital do Ribatejo e das poderosas e influentes ordens monásticas que aí se instalaram, a história das donas de Almoster tem ficado esquecida. De vez em quando, a poeira dos anos é levantada por alguém que, curioso do seu nome e da sua (ainda visível) imponência arquitectónica, deixa que a caneta registe uma fugaz descrição num qualquer roteiro que acabará por morrer nas algibeiras dos escassos viandantes que por ali apressadamente passam. Mas o torvilhão pouco dura e, quando o pó assenta, as velhas paredes tornam a contemplar a mesma paisagem amiga e fiel com quem estaticamente, viajam para a eternidade. Monumento arquitectónico relativamente abandonado deve à história da arte um primeiro momento de brilho após tantos séculos de silêncio. Um recém-publicado trabalho sobre a sua arquitectura e motivos decorativos, desde o momento da sua fundação até ao princípio do seu declínio, levantou um pouco do véu que encobria aquela instituição que ali, pacientemente, definhava.
Mas, por detrás da fachada estão as gentes que a construíram, a habitaram, a desenvolveram e a perderam. O conjunto monástico de Santa Maria de Almoster, testemunho da arquitectura cisterciense no nosso País, precisa que sejam estudados os seus trabalhos e os seus dias. Este nosso trabalho procura reconstituir os ritmos que, no primeiro século após a sua fundação, marcaram o quotidiano dos homens e das mulheres que dele estavam dependentes ou que o dominaram. Nascido e criado por elementos ligados à estrutura nobiliárquica local, o seu suporte assenta na exploração rural e na possibilidade de colocação de excedentes nos mercados urbanos. Apesar de tardio na Ordem e obedecendo às novas regras de mercado e de comportamento social que caracterizam o final dos tempos medievais, é a importância do universo rural, sua componente fundamental, que determina e condiciona, quase sempre, as estratégias de gestão e de crescimento daquela casa feminina. Embora próximo de atractivos espaços urbanos, Almoster e o seu mosteiro não fogem à realidade nacional, onde o peso do mundo rural representa o principal sistema condicionador do desenvolvimento e das transformações que o Portugal medieval vai conhecendo: um mundo de senhores e de camponeses, de torres senhoriais e de aldeias.
Mas esta imagem, pretensamente nítida, já nasceu desfocada, pois que nos propõe uma generalização que, embora simpática, reduz a realidade do universo medieval aos ritmos das sementeiras e colheitas, marcadas pelo trabalho do camponês e geridas pelo astro solar. O Homem constitui o vector de abordagem fundamental da história rural, especialmente aqueles que têm por principal tarefa a produção de bens agrícolas. Mas importante é também a preocupação com os outros que, embora não trabalhando directamente a terra, se servem dela e sobre ela constituem formas de poder, capazes de dirigir e influenciar as vivências de toda a sociedade medieval. Produtores e detentores dos meios de produção não convivem muitas vezes no mesmo espaço geográfico, nem tão pouco pertencem aos mesmos estratos sociais. Desta forma, torna-se importante analisar, com um enfoque cada vez mais preciso, a tipologia de relações que se estabeleceram entre os dois grupos, quer cronológica, quer geograficamente, buscando sempre uma perspectiva de construção de uma história rural mais rigorosa e abrangente, definida por Garcia Cortázar em três ordens de problemas: as formas de distribuição do poder; a criação de rendas a partir de uma determinada produção e, finalmente, a evolução da paisagem agrária». In José Manuel H Varandas, Monacato Feminino e Domínio Rural, O Património do Mosteiro de Santa Maria de Almoster no século XIV, 1995, Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa, Wikipédia.

Cortesia de FLetras/ULisboa/JDACT