sexta-feira, 29 de novembro de 2019

O Triângulo Secreto. Didier Convard. « Vamos sair deste túmulo. Podeis ir na frente, agora? Meus braços estão ocupados com este pacote colado ao meu peito. Naturalmente, você é o soldado que leva a carga, é isso?»

Cortesia de wikipedia e jdact

As Lágrimas do Papa
Os Três Rolos
«(…) Não passo de um modesto peão, Majestade. Um peão no tabuleiro em que reinais. Não precisais vos sobrecarregar com essas pesadas cargas, pois alguns de nós as carregamos por vós. No xadrez, o peão tem de se sacrificar para preservar o rei. E o soldado quem carrega a bagagem, Sire... O soldado! Não o soberano. A lâmina de Renaud desfez todo o cimento que mantinha a pedra na parede. O templário pôde enfiar os dedos nos interstícios e tirar a pedra do lugar em que estava alojada. Afastai-vos, Sire... A pedra caiu no solo lamacento que salpicou as pernas do rei. Renaud mergulhou o braço no buraco que havia feito. Tirou um primeiro rolo de couro costurado com pontos grandes. Eis um deles, murmurou, enfiando novamente o braço e, depois, inclinando-se, revistou o cofre escuro, com repentina agitação. Iluminai-me, Filipe! O rei se inclinou, esticou o braço que segurava a tocha, tentou ver pela abertura da parede. E então?, impacientou-se o soberano. Peguei-os... Sim, eis os outros dois! Nos estojos de couro; sem dúvida, não sofreram com o tempo. Não quer certificar-se?, propôs Filipe. Não é hora nem lugar, Majestade. Seria correr um grande risco retirar esses pergaminhos dos estojos. Devemos fazê-lo conforme as regras, quando retornarmos à França. Conheço quem tem mãos peritas que saberão tratá-los com cuidado.
O rei Filipe não escondeu a decepção: pelo amor de Deus, ter percorrido todo esse caminho e matado essas pobres pessoas para voltar sem ter visto o que contêm estes rolos! Imaginemos que eu morra dessa doença do suor... Não morrereis, Sire. Eu vos disse, nós vos curaremos. Vamos sair deste túmulo. Podeis ir na frente, agora? Meus braços estão ocupados com este pacote colado ao meu peito. Naturalmente, você é o soldado que leva a carga, é isso? E vós sois o meu rei que, agora, segura a luz, Filipe. Isso não é uma parábola que, supostamente, deveria me ensinar? Renaud não respondeu. Limitou-se a sorrir interiormente, apertando contra si os três rolos que havia escondido por baixo da túnica. Ele pensou no homem que encheu os pergaminhos com a sua escrita. Dirigiu a ele uma oração de gratidão, como a um irmão mais velho.

A Doença de Filipe
Durante toda a semana seguinte, o rei Filipe permaneceu na tenda cujas abas de tecido foram cuidadosamente abaixadas; ali, a sombra lutava contra o calor húmido. Os cavaleiros Benoit e Henri guardavam a entrada como simples escudeiros. Ao longo do dia, ficavam sentados no chão e quase não conversavam; à noite, enrolavam-se em grossas cobertas e mal dormiam. Cães fiéis, amigos devotados, sofriam por saber que o mestre estava muito doente, espreitando o menor estertor, todo o tempo questionando Renaud, que administrava a medicação de manhã, à tarde e à noite, auxiliado pelo boticário e por um abade.
O rei Ricardo ficou preocupado com a saúde do monarca francês. No fim da semana, Renaud foi pessoalmente ao acampamento dele dar as informações. Pois bem, me traz boas notícias? Não, Sire! Meu rei emagreceu, perdeu o cabelo e as unhas, bem como o olho direito. Além disso, a pele dele está rachando. Dá muita pena vê-lo nesse estado! Ricardo pareceu sinceramente contrariado. Renaud acrescentou: confesso a minha impotência diante dessa doença e só posso amenizar os sofrimentos com a ajuda de drogas que o fazem adormecer mais do que o curam. Ele fica mais fraco de hora em hora. Às vezes, até delira e fala da defunta esposa e dos gémeos mortos. Se compreendi bem, cavaleiro Renaud, você veio preparar-me... Percebi as suas intenções: ele vai me pedir permissão para voltar para a França? Concordando com um movimento de cabeça, Renaud reforçou: seria, de facto, a melhor decisão a tomar, Sire. Ricardo saiu impetuosamente da tenda. Quero ver por mim mesmo o estado dele. Renaud e o rei Ricardo atravessaram o acampamento em grandes passadas, pulando os corpos dos cruzados que descansavam esticados no chão, entorpecidos pelo calor, esgotados pela recente batalha e pela comida que se seguiu». In Didier Convard, O Triângulo Secreto, As Lágrimas do Papa, Editora Bertrand Brasil, 2012, ISBN 978-852-861-550-0.

Cortesia de EBertrandBrasil/JDACT