quinta-feira, 22 de maio de 2014

O Navegador da Passagem. A História de um Descobridor que o Mundo Ignorou. Deana Barroqueiro. «Eu, Pêro da Covilhã... Eu, Afonso de Paiva... Eu, Bartolomeu Dias...Eu, João Infante... Eu, Diogo Dias... juro que na execução e obra deste descobrimento que vós, meu Rei e Senhor, me mandais fazer, com toda a fé, lealdade, vigia e diligência…»

jdact

Jaz aqui, na pequena praia extrema, o Capitão do Fim. Dobrado o Assombro, o mar é o mesmo: já ninguém o tema! Atlas, mostra alto o mundo no seu ombro. In Fernando Pessoa, ‘Mensagem

«(…) Acabo de saber que a rainha D. Isabel de Castela autorizou a viagem de descobrir de Cristóvão Colombo. Lançou a assombrosa novidade com uma voz desdenhosa que disfarçava a sua arrelia; porém, ouvindo o murmúrio de descrença e ira dos presentes, ergueu a mão num gesto apaziguador e acrescentou mordaz: - Pelos vistos, a minha estimada prima tem mais confiança nesse rebolão do que nós e crê que ele achará a derrota para a Índia navegando para Ocidente! Como mais vale prevenir do que remediar, temos de nos adiantar na corrida, não vá esse homem ter tratos com o demo e passar-nos à frente! Quando os risos cessaram, el-rei prosseguiu, animando-se à medida que falava: - Mem Rodrigues e Pedro Astoniga já partiram por mar para a Guiné e de lá seguirão, através da Tamala dos Fulas, para o interior da África, a fim de buscarem também ai novas do Preste João, o descendente do grande Salomão e da rainha de Sabá, pois João Afonso de Aveiro ouviu dizer ao rei de Benim que, a vinte luas de andadura para oriente das suas terras, existe o reino cristão do Ogané, a quem muitos outros povos prestam homenagem e fazem grandes peregrinações para receberem das suas mãos uma cruz de latão que veneram como santa relíquia.
Fez uma pausa e o seu olhar sombrio varreu a sala até pousar nele, perscrutador, como se estivesse a avaliá-lo. Sentiu um arrepio de angústia eriçar-lhe a pele. A armada de Bartolomeu Dias, com os seus capitães João Infante e Diogo Dias, não tardará em sair rumo ao Congo para daí prosseguir viagem até descobrir a passagem para o Oriente. Levará com ele os dois negros salteados por Diogo Cão para os devolver à sua terra e quatro degredados que deixará nesses lugares, onde dirão donde vêm e buscarão saber dos seus habitantes se ali chegaram novas do Preste João.
Fez nova pausa como se esperasse alguma pergunta, mas não era nenhuma surpresa que el-rei lhe desse alguns desses condenados que se salvavam da forca ou do cutelo oferecendo-se para explorar novas terras, pois Sua Alteza usava dizer a quem disso se espantava que lhes dava a vida porque um homem custa muito a criar e havia aí muitas ilhas para povoar. Como ninguém falasse, o rei João dirigiu-se a Pêro da Covilhã e a Afonso de Paiva: - Assi, tereis acção concertada com estes vossos companheiros e todos levarão cartas minhas para o Preste. Tu, Pêro, rumarás ao Levante, em busca da rota das especiarias, e tratarás de saber se há mesmo um Preste João das Índias, como dizem os antigos, enquanto tu, Afonso de Paiva, seguirás na Etiópia até achares esse Negus que dizem ser o verdadeiro Presbítero João. Levareis estas pastas de latão, com letras talhadas em língua portuguesa, arábica, latina, grega e hebraica, para mostrardes ao Imperador e a quem bem vos parecer. Mestre Rodrigo entregou-lhes as pastas, da feição de uns grossos medalhões, onde se lia ElRey Dom João de Portugal, Irmão dos Reys Christãos. Tendes tudo aquilo de que haveis mister: cartas, mapas, roteiros?, perguntou ainda.
 - Sim, meu senhor, Afonso de Paiva curvou-se numa profunda vénia. - Os vossos astrónomos e cosmógrafos são os melhores do mundo!, gabou Pêro da Covilhã, saudando com igual acatamento. - Sim, bem o sei, disse João II, sorrindo na direcção da sua junta de sábios, os quais se inclinaram também em sinal de agradecimento. Prestai agora o vosso juramento sobre este Livro Sagrado, ordenou Diego de Orty, pondo-lhes diante uma Bíblia e uma folha escrita. Um a um, pousaram a mão direita sobre o livro de capas vermelhas e letras douradas, lendo em uníssono as palavras do texto do bispo: - Eu, Pêro da Covilhã... Eu, Afonso de Paiva... Eu, Bartolomeu Dias...Eu, João Infante... Eu, Diogo Dias... juro que na execução e obra deste descobrimento que vós, meu Rei e Senhor, me mandais fazer, com toda a fé, lealdade, vigia e diligência, eu vos hei-de servir, guardando e cumprindo vossos regimentos que para isso me forem dados, até tornar onde ora estou, ante a presença de vossa real Alteza, mediante a graça de Deus em cujo serviço me enviais. Acabado o juramento, ajoelharam e, curvando as cabeças, receberam a bênção do bispo, indo em seguida beijar a mão que el-rei lhes estendia: - Ide os quatro, com a graça de Deus, mas deixai comigo a Bartolomeu Dias, que temos um ultimo negócio a tratar. Que teria el-rei para lhe dizer ainda? Os quatro homens ergueram-se e, fazendo as suas cortesias de despedida, abandonaram a sala, seguidos pelo seu olhar apreensivo». In Navegador da Passagem, A História de um Descobridor de Mundos, que o Mundo Ignorou, Deana Barroqueiro, Porto Editora, 2008, ISBN 978-972-0-04162-3.

Cortesia de Porto Editora/JDACT