terça-feira, 27 de maio de 2014

Simon de Montfort. A figura do Vassalo Perfeito. História Albigeoise. Pierre des Vaux de Cernay. Eduardo L. Medeiros. «Não tardou para que Cluny espalhasse abadias filhas pelo restante da Europa, os mosteiros cluniacenses proliferaram. A sua organização fez com que prosperassem…»

Cortesia de wikipedia

«(…) A Europa apresentou nos séculos XII e XIII, aquilo que os manuais didácticos comumente chamam de As grandes mudanças. Estas mudanças atingiram todos os níveis da sociedade medieval através do crescimento demográfico que segundo Le Goff, duplicou entre o final do século X e o início do XIV. Outro factor que demonstra este progresso medieval foi à intensificação da cunhagem de moedas durante o século XIII: E, por fim, o renascimento monetário do século XIII deslumbrou os historiadores, principalmente, com o regresso à cunhagem de moedas de ouro. Estas mudanças comportam ainda outros elementos tais como o renascimento urbano, o desenvolvimento de técnicas agrícolas e o consequente aumento da produção com a formação de excedentes desta produção que voltou a estimular o comércio. É claro que estes eventos são muito mais complexos que o simples esquema aqui apresentado, porém é possível apresentar um panorama geral que nos instigue a buscar algumas motivações para este contexto favorável. Neste sentido, os especialistas divergem nas suas posições. Maurice Lombard busca a sua explicação no contacto entre o Ocidente e o mundo muçulmano, que gerou a necessidade de produzir matérias-primas para atender cidades como Córdova, Damasco e Bagdade. Para Lynn White, por outro lado, este desenvolvimento se deve aos progressos técnicos desenvolvidos pelos próprios europeus. Independente do motor deste processo económico, o ponto que nos interessa neste trabalho, é o impacto que este fenómeno causou no seio da cristandade e em seu corpo eclesiástico, que até meados do século XII, estava representado pelas ordens monásticas, que experimentaram grande desenvolvimento, em especial, a ordem de cluniasense.

As Ordens Monásticas
A organização da ordem de Cluny proporcionou uma rápida proliferação de abadias filhas da casa-mãe. Desta ordem saíram papas conhecidos como Papas Reformadores pela historiografia cristã, entre eles o próprio Gregório VII, que havia sido abade de Cluny. Segundo Tathyana Zimmermann: Não tardou para que Cluny espalhasse abadias filhas pelo restante da Europa, os mosteiros cluniacenses proliferaram. A sua organização fez com que prosperassem. As abadias cluniacenses tornaram-se grandes senhorios monásticos, seus camponeses cultivavam as terras, abriam bosques e matagais, drenavam pântanos e produziam o vinho. Essas abadias eram centros de povoamento, centros produtivos nos quais o excedente era comercializado. Enriqueceram e tornaram-se poderosos. Este enriquecimento levou a uma valorização da liturgia e ornamentação dos mosteiros e na práxis divergente do discurso de grande parte dos monges que levavam vidas de opulência e ociosidade, bastante distante dos princípios expostos pela Regra de São Bento, regra-base para praticamente todas as ordens regulares. Citamos Cluny por ser a abadia com maior e mais rápida ascensão no período, mas é possível ainda citar outras que se enquadrem neste processo como Brogne e Gorze.
Este elemento de ordem económica é o primeiro a ser analisado ao buscar o cerne das heresias do século XII, mas existe ainda outro ponto mais difícil de ser apreendido pelo seu carácter estar incutido na consciência da sociedade medieval. Brenda Bolton chama este fenómeno de Crise religiosa do Século XII. O contexto de efervescência em vários aspectos pelos quais passou a sociedade medieval em fins do século XI impactaram, inevitavelmente, o corpo eclesiástico que precisou actualizar, mesmo que a contragosto, seu discurso, na medida em que a própria concepção de ser cristão modifica-se para um sentimento cada vez mais individual. Segundo Bolton: Os cristãos se tornaram colectivamente cada vez mais conscientes do mundo que os rodeava e procuravam racionalizá-lo. Também do ponto de vista individual se verificava uma nova tomada de consciência do próprio homem, relacionada com a condenação que Cristo fizera do pecado no coração e que conduziu a um despertar da importância da consciência.
Esta mudança na consciência do homem medieval é analisada por Brenda Bolton na sua Reforma da Idade Média, onde sugere seis reacções desencadeadas por esta crise, dentre as quais, duas nos interessam mais de perto pela relação com nossa temática: O monasticismo, ou vita angelica e as heresias. A primeira delas, o monasticismo, foi uma reacção interna às deformações dos princípios da Igreja Primitiva, retomados pela Regra de São Bento durante as Reformas Gregorianas, que grosso modo, poderia ser resumido como a vida em comunidade e a pobreza voluntária. Das vozes que se levantaram para enfatizar esta postura em detrimento da ostentação e opulência que havia se infiltrado por entre as abadias, está Bernardo de Claraval que deixou diversos escritos conclamando seus congéneres a um retorno às origens do Cristianismo. Bernardo foi o representante por excelência da Ordem de Cister e também o abade de Claraval até sua morte em 1153. O diferencial desta ordem estava na ideia que norteava os pensadores, que era a de um retorno genuíno ao monacato beneditino. Cister tornara-se desta forma, uma oposição dogmática a Cluny, resultando em discussões acaloradas entre os líderes de ambas as Ordens». In Eduardo Luís Medeiros, Simon de Montfort, A figura do Vassalo Perfeito, História Albigeoise, Pierre des Vaux de Cernay, Ciências Humanas, Letras e Artes, UF do Paraná, Curitiba, 2006.

Cortesia de wikipedia/JDACT