quarta-feira, 14 de maio de 2014

Pedro IV. Imperador e Rei. Experiências de um Príncipe. Luís Oliveira Ramos. «Ainda regente, o novo soberano ousara, em conjuntura favorável, anexar a Portugal a província da Cisplatina na banda oriental do rio da Prata, concretizando com êxito o seu projecto»

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O Príncipe (1798-1822)
«(…) Desfavorável a Portugal e ao Brasil afigura-se o Tratado do Comércio de 1810, com a Inglaterra, que não traz lucro ao Brasil e sacrifica Portugal, como melhor se vê no curso da sua aplicação face às exigências da parte inglesa. Em todo o caso, uma das suas cláusulas implica a abolição gradual do tráfico de escravos africanos, conforma lembra Afrânio Peixoto. Em boa verdade, expressão maior da desmesurada influência britânica em Portugal e no Brasil, o convénio provocou clamorosa desaprovação, já no teor, já na aplicação. O seu clausulado assegurava liberdade mútua de comércio e navegação nos domínios das duas coroas, com direito de circulação e de residência aos súbditos da outra; e bem assim uma protecção de direitos, aliada ao gozo de privilégios e imunidades que eram concedidos aos vassalos da nação mais favorecida; outrossim continha concessões quanto a fretes, a tonelagens e ao transporte de mercadorias em navios da outra parte, disposições que no todo funcionaram desvantajosamente para Portugal e Brasil e atribuíram amplos benefícios aos ingleses, senhores dos mares, graças à indiscutida preponderância de meios navais, dominantes no comércio e na navegação, alimentada por uma indústria moderna em expansão. O que tudo significa que o princípio de reciprocidade não funcionará, dadas as diferenças abissais de situação, apetrechamento, produção e mercancia dos dois países. Demais, demonstra um historiador coevo, algumas estipulações do convénio de 1810 foram fraudulentamente aplicadas na prática e na execução.
À sua conta, estante no Rio de Janeiro, entre 1808 e 1827, D. Carlota Joaquina teve a esperança, explica A. Dória, de vir a reinar nas colónias espanholas, visto seu pai e seu irmão primogénito terem sido forçados por Napoleão a abdicar. Na sequência de empenhadas diligências, em que se correspondeu com as autoridades das colónias espanholas, na ambição de realizar os seus planos, nada daí resultou, de acordo com a sua ambição, conforme pormenorizadamente explica Sara Pereira. Por outro lado, incita-se, diz Afrânio Peixoto, a vinda de emigrantes dos Açores. São lançadas estradas, correios regulares, navegação interior, concessões aos mineradores de oiro, providências humanitárias sobre o tráfico negreiro. Chegam levas de europeus atraídos pela presença da corte portuguesa. Contrata-se uma missão artística francesa para erigir a Escola de Belas-Artes. Arribam também naturalistas alemães, bem como compositores e artistas dados à música sacra e profana. Como não podia deixar de ser, o ambiente cultural e político altera-se no Rio e penetra as cidades principais. Às transformações urbanas na capital, sucedem-se as festas, a música pública e de igreja original, os espectáculos teatrais e as variações de hábitos. De entre os artistas, Jean-Baptiste Debret exprime, no livro Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, as mudanças que se vão sucedendo, inclusive no quotidiano da capital. Outros artistas e naturalistas percorreram regiões inóspitas para recolher espécies naturais, enviadas para gabinetes de estudo, sobretudo de Viena, origem da princesa real. Como todos os europeus, eram especialmente sensíveis à presença de escravos e às diferenças de costumes, quer no que se refere a hábitos alimentares, quer no que tange às actividades quotidianas ou aos trajes, nota Nizza Silva.
Mais tarde, nas negociações e convénios decorrentes do Congresso de Viena, em 1815, Portugal devolve à França a Guiana, conquistada no início da presença da coroa no Brasil. Definitivamente ultrapassados ficam os manejos de D. Carlota Joaquina relativos aos domínios espanhóis, derivados à prisão por Bonaparte do legítimo monarca de Espanha, Fernando VII, seu irmão. Por decisão régia que vai ao encontro da situação do Brasil metrópole de Portugal, o antigo vice-reino, em 1815, deixa de ser colónia e integra-se no Reino Unido de Portugal, do Brasil e dos Algarves. Em 1816 morre D. Maria I e sobe ao trono João VI, imperante de facto desde 1792.
Ainda regente, o novo soberano ousara, em conjuntura favorável, anexar a Portugal a província da Cisplatina na banda oriental do rio da Prata, concretizando com êxito o seu projecto. Proveniente de Lisboa, a divisão dos Voluntários Reais desembarcou no Rio de Janeiro, ao findar Março de 1816. Compunham-na 5000 veteranos, forjados nas campanhas da Guerra Peninsular. Sob o comando do general Lecor aquele corpo de exército, auxiliado por 2000 homens do Rio Grande do Sul, chefiados pelo general Curado e por forças navais, penetram no Uruguai rebelde à Espanha. Tomam com êxito Montevideu em 20 de Janeiro de 1817, depois de vencerem as forças de Artigas e dos seus capitães. Consumada a pacificação do sertão e varridos os derradeiros combatentes, escreve Jorge Couto, João VI torna-se soberano do Estado Cisplatino da Banda Oriental do rio da Prata, pois os seus representantes votaram a sua integração no Reino Unido de Portugal, do Brasil e dos Algarves, com a designação oficial de Estado Cisplatino». In Luís Oliveira Ramos, D. Pedro, Imperador e Rei, Experiências de um Príncipe (1798-1834), Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Temas Portugueses, Lisboa, 2007, ISBN 978-972-27-1428-0.

Cortesia de INCM/JDACT