quinta-feira, 25 de junho de 2015

O Mar na Poesia da América Latina Isabel Barcelos. «O mar substância inicial, é a mãe de todas as coisas, segundo o mito cosmogónico ‘la creación’ dos índios Kogui da Colômbia: El mar era la madre. A água é mãe, espírito, não matéria, é ‘Aluna’…»

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A criação. Koguis, Colômbia
«Primeiro estava o mar. Tudo estava escuro.
Não havia sol, nem lua, nem gente, nem animais, nem plantas.
Só o mar estava em toda a parte.
O mar era a Mãe.
Ela era água e água por toda a parte
e ela era rio, lagoa, cascata e mar
e assim ela estava em toda a parte.
Assim, primeiro, só estava a Mãe.
Chamava-se Gaulchovang.
A Mãe não era gente, nem nada, nem coisa alguma.
Ela era Aluna [pensamento ou ideia].
Ela era espírito do que estava para vir
e ela era pensamento e memória.
Assim a Mãe existiu só em aluna no mundo mais baixo,
na profundidade,
só.

Então quando existiu assim a Mãe,
formaram-se em cima as terras, os mundos, até onde está hoje
nosso mundo.
Eram nove mundos e formaram-se assim:
primeiro estava a Mãe e a água e a noite.
Ainda não tinha amanhecido.
A Mãe chamava-se então Se-ne-nuláng.
Também existia um pai que se chamava Kata Ke-ne-ne-Nuláng.
Eles tinham um filho que chamavam Bunkua-sé.
Mas eles não eram gente, nem nada, nem coisa alguma.
Eles eram aluna. Eram espírito e pensamento.
Esse foi o primeiro mundo, o primeiro lugar e o primeiro instante.

Então formou-se outro mundo mais acima, o segundo mundo.
Então existia um Pai que era um tigre.
Mas não era tigre como animal, era tigre em aluna.

Então formou-se outro mundo mais acima, o terceiro mundo.
Já começava a haver gente. Mas não tinham ossos nem força.
Eram como vermes e minhocas.
Nasceram da Mãe.

Então formou-se o quarto mundo.
A sua mãe chamava-se Sáyaganeye-yumáng
e havia outra Mãe que se chamava Disi-se-yuntaná
e um Pai que se chamava Sai-taná.
Este Pai foi o primeiro a saber como iam ser as pessoas do nosso
mundo
e foi o primeiro a saber que iam ter corpo, pernas, braços e cabeças.
[…]

In Isabel Aguiar Barcelos, O Mar na Poesia da América Latina, tradução de José Baptista, Assírio Alvim, documenta poética, Lisboa, 1999, ISBN 972-370-527-3.

Cortesia de AAlvim/JDACT