quinta-feira, 23 de julho de 2015

A Estátua do imperador Maximiliano. Pedro IV. Alexandre Borges. «… no meio da praça um pedestal mas não se chegou a completar, dado que a primeira parte da obra era tão bela ou inspiradora que os lisboetas rapidamente a baptizaram de “o Galheteiro”»

Cortesia de wikipedia e jdact

«Há poucos pontos do mapa de Lisboa tão célebres como o Rossio. Vem de há 2000 anos o uso daquele lugar como espaço público. No tempo do Império Romano, era, provavelmente, um hipódromo; depois, foi-se tornando lugar de feiras e mercados; com o avançar da Idade Média, começou a ser rodeado de lojas e edifícios. A norte, no século XV, foi levantado o Palácio dos Estaus, depois da Inquisição (maldita); a leste, estendendo-se por aquela que é hoje a Praça da Figueira, o Hospital de Todos-os-Santos. A seguir ao grande terramoto de 1755, por ordem do marquês de Pombal e projecto de Carlos Mardel, ganhou os traços fundamentais que até hoje se lhe conhecem: uma grande praça rectangular, com 166 metros de comprimento por 52 de largura. Já depois do colapso do absolutismo, com dona Maria II no trono e Almeida Garrett na vida política a representar os interesses culturais do reino, foi erguido o edifício que preside à praça: o Teatro Nacional, diante do Arco de Bandeira, cercados de cafés, farmácias, chapeleiros, tabacarias e afins.
Bocage andou por ali, no Nicola anterior à reconstrução; Eça de Queirós viveu lá; muita gente cruzou a calçada de pedras brancas e negras num desenho ondulado para ir ou vir da estação de comboios adjacente. Homens e mulheres perseguidos pela moral da época ali morreram na fogueira; acusados à luz de leis momentâneas foram enforcados; houve touradas, festivais, manifestações, comícios e até uma guerra, na revolução que depôs a monarquia portuguesa, em Outubro de 1910. Hoje, há turistas e locais a atravessarem em todas as direcções, desaparecendo depois pela Rua Augusta ou do Ouro, dos Sapateiros, da Betesga, do Carmo ou do Amparo. Sobre a parte destes acontecimentos que ocorreu no último século e meio, uma sentinela paira, distante, intocável, a 27 metros e meio de altura: a estátua de Pedro IV de Portugal e I do Brasil, vigésimo nono rei português e primeiro imperador brasileiro, o Rei-Soldado ou o Libertador, uma das mais fascinantes e complexas figuras da História de ambos os lados do Atlântico. É esta estátua de bronze, levantada sobre uma imensa coluna coríntia, ladeada por duas fontes de pedra e ferro e guardada pelas virtudes da força, moderação, justiça e prudência, uma por cada vértice da base quadrangular, que dá ao lugar o nome oficial, Praça Dom Pedro IV, ainda que, na boca do povo, pareça destinada a ser para sempre chamada Rossio.
No entanto, ali, a figura metálica de Pedro, tal como foi desenhada por Gabriel Davioud e esculpida por Élias Robert, erguida diante da Baixa pombalina e do teatro baptizado em nome da filha que escoltou ao trono, sofre dum mal maior do que o esquecimento do nome: a dúvida. Não saber se representa Pedro, com efeito, ou Maximiliano, fugaz imperador do sonho francês para o México. A estátua foi inaugurada a 29 de Abril de 1870, o rumor não se sabe. Estávamos no reinado de Luís I, neto de Pedro IV. Há pelo menos 20 anos que se falava de fazer ali, no coração de Lisboa, um monumento ao homem que libertara o Brasil com um grito, independência ou morte!, e depois encontrara ainda forças para atravessar o oceano e vir derrubar o irmão, que lhe usurpara à filha o trono português. António Feliciano Castilho, apesar de poeta, apresentou um projecto arquitectónico. Em 1852, ainda foi colocado no meio da praça um pedestal mas não se chegou a completar, dado que a primeira parte da obra era tão bela ou inspiradora que os lisboetas rapidamente a baptizaram de o Galheteiro. Abriu-se então um concurso internacional, apresentaram-se 87 projectos e venceu o da dupla francesa Davioud / Robert.
Não eram exactamente dois desconhecidos, estes artistas. O primeiro, arquitecto, projectara a Fonte de Saint-Michel, em Paris, dois dos teatros de Châtelet ou o antigo Palácio do Trocadero. O segundo, escultor, tem ainda hoje obras visíveis na fachada da Gare de Austerlitz, no Conservatório de Arts et Métiers de Paris ou no Louvre. Gente acima de qualquer suspeita, portanto. E contudo...» In Alexandre Borges, Histórias Secretas de Reis Portugueses, Casa das Letras, Lisboa, 2012, ISBN 978-972-46-2131-9.

Cortesia C. das Letras/JDACT