quinta-feira, 23 de julho de 2015

A Estátua do imperador Maximiliano. Pedro IV. Alexandre Borges. «… depõe Maximiliano e manda fuzilá-lo, em 1867. A estátua, entretanto concluída, deixa de ser desejada do outro lado do Atlântico, que fariam agora com ela os desalentados Davioud e Robert? Punham-na na sala? No jardim?»

Cortesia de wikipedia e jdact

«(…) Há múltiplas referências dispersas pela literatura e imprensa nacionais ao pretenso logro elevado a obra de arte cravada no coração de Lisboa. E muitas delas são assinadas por gente igualmente insuspeita... A mais célebre é, porventura a passagem de Lisboa Livro de Bordo, onde José Cardoso Pires, conhecedor invejável da cidade, cita um poeta amigo para levantar a questão: Que fazemos nós, Lisboa, os dois aqui na terra em que nascemos e eu nasci, perguntava Alexandre O'Neill, de ombro na ombreira a olhar o imperador Maximiliano do México, que está na estátua do Rossio a fingir que é o Pedro IV de Portugal. E remata depois, com menos poesia e mais pragmatismo: Que se lixe, seja o Dom Pedro, porque não? Assim como assim, o país fica na mesma e o Rossio ganha ainda mais um caso para entreter.
Mas como teria acontecido coisa tão absurda? Que se trocasse a estátua dum herói pela dum desconhecido? Correm, pelo menos, três versões... Primeira versão: os mexicanos, os colonos franceses ou o próprio Maximiliano encomendam a Gabriel Davioud e Elias Robert uma estátua do novo imperador. Porém, enquanto os artistas trabalham na obra em França, a situação política complica-se nas Américas. Benito Juárez, herói nacional mexicano, lidera a rebelião, depõe Maximiliano e manda fuzilá-lo, em 1867. A estátua, entretanto concluída, deixa de ser desejada do outro lado do Atlântico e fica esquecida num contentor algures no porto de escala, em Lisboa, à espera de que alguém a reclame. Quando Câmara e Governo trabalham na revitalização do Rossio e se confrontam com o desagrado popular provocado por o Galheteiro, descobrem uma solução prática e extraordinariamente em conta: desencaixotar Maximiliano, que, por sorte, até tem uma figura física parecida com a de o Rei-Soldado, e metê-la num pedestal com uma placa que não a deixe mentir: Dom Pedro IV, rei disto e daquilo. Caso arrumado.
Segunda versão (e a mais pitoresca): os mexicanos, os colonos franceses ou o próprio Maximiliano encomendam a Gabriel Davioud e Élias Robert uma estátua do novo imperador. Ao mesmo tempo, Portugal lança um concurso para a construção de uma estátua a Pedro IV que é ganho pela mesma dupla de artistas. As estátuas são cuidadosamente embaladas e embarcadas, e descuidadamente trocadas no porto de Lisboa. O Maximiliano de bronze é içado até ao pico da coluna a meio do Rossio; o Pedro do mesmo metal cruza o oceano, tal como antes fizera o Pedro real, mas segue para um destino um pouco mais setentrional. O caso é delicioso porque significaria que algures, no México, haveria uma estátua a Pedro IV e, possivelmente, alguma literatura local discutindo, tal como nós, o engano monumental. Porém, é altamente improvável que o México, depois de depor e fuzilar Maximiliano, ainda lhe quisesse fazer uma estátua. De modo que o Pedro de bronze, mesmo que ainda tivesse conseguido seguir viagem a partir de Lisboa, teria sido barrado na chegada às Américas ou, quem sabe?, lançado ao mar onde ainda hoje more, até ser descoberto por algum mergulhador, entre algas e peixes de águas profundas, elevado a tesouro da arqueologia.
Terceira versão: os mexicanos, os colonos franceses ou o próprio Maximiliano encomendam a Gabriel Davioud e Élias Robert uma estátua do novo imperador. Porém, enquanto os artistas trabalham na obra, em França, a situação política complica-se nas Américas. Benito Juárez, herói nacional mexicano, lidera a rebelião, depõe Maximiliano e manda fuzilá-lo, em 1867. A estátua, entretanto concluída, deixa de ser desejada do outro lado do Atlântico, que fariam agora com ela os desalentados Davioud e Robert? Punham-na na sala? No jardim? Postos nestas dúvidas, chega-lhes ao conhecimento um concurso aberto em Portugal para a construção de um monumento que homenageie Pedro IV Arquitecto e escultor pegam então no velho Max, amputam-lhe o braço que carrega o ceptro imperial e trocam-no por outro que ostente a Carta Constitucional, mudam-lhe os botões da casaca, distinguem-no com um colar da Torre e Espada e dão-lhe guia de marcha para Lisboa. Vitória. Todos ganham. Portugal fica com a sua estátua, Davioud e Robert com o seu dinheiro e até Maximiliano recebe alguma dignidade que o conforte naquela sua triste partida para o outro mundo». In Alexandre Borges, Histórias Secretas de Reis Portugueses, Casa das Letras, Lisboa, 2012, ISBN 978-972-46-2131-9.

Cortesia C. das Letras/JDACT