terça-feira, 28 de julho de 2015

Roma Antiga. A vida sexual. Géraldine Puccini-Delbey. «O homem romano é, antes de tudo, um cidadão, um herói guerreiro e um homem político. O que faz dele um ser virtuoso na sua vida privada é uma vida sexual útil para o desenvolvimento e para a glória…»

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«(…) Para levantar o véu da vida sexual comum dos romanos, na ausência de testemunhos autobiográficos, de investigações de cariz sociológico, de dados estatísticos fiáveis, dispomos de dois tipos de fontes: por um lado, textos literários, inscrições funerárias e imagens (isto é, representações, em todos os casos); por outro, textos jurídicos que decretam normas, leis e sanções. Relativamente ao período arcaico, da realeza à instauração da República em 509 a.C., e quanto ao tempo da República do terceiro e do segundo séculos antes da nossa era, os documentos são raros e a sua interpretação é muitas vezes delicada. O período real só é conhecido graças às descobertas da arqueologia ou pelas lendas conservadas por Tito Lívio. Além disso, nos primeiros tempos de Roma e até ao final da época republicana, a cidade prima sobre o indivíduo, e as estruturas colectivas sobre as realidades individuais. Sociedade patriarcal, extremamente hierarquizada, ela apoia-se numa moral cívica na qual o homem romano, de condição livre, desempenha o papel principal e em torno do qual gravitam todos os outros elementos da sociedade. O homem romano é, antes de tudo, um cidadão, um herói guerreiro e um homem político. O que faz dele um ser virtuoso na sua vida privada é uma vida sexual útil para o desenvolvimento e para a glória da sua cidade que permite, através da fecundação da esposa, dar-lhe futuros cidadãos. A difícil emergência do sujeito individual e das suas preocupações próprias explica que tenhamos poucos testemunhos acerca desse domínio privado nas épocas real e republicana de Roma.
A era augustiana coincide com o desenvolvimento da aspiração dos indivíduos a maior independência, com o aparecimento daquilo a que Michel Foucault chama individualismo. A mulher, em particular, no final da época republicana, conhece uma forma de autonomia e de libertação sem precedentes na Antiguidade. Algumas vozes, excessivamente, falaram de emancipação feminina, ainda que esse fenómeno diga respeito apenas a uma elite. Relativamente à das mulheres do início da República, é inegável que a condição feminina mudou e que certas mulheres puderam escolher uma vida de independência que se fez acompanhar por uma emancipação sexual. Esta inversão de valores traduz-se pela eclosão de práticas 1iterárias que se constituíram contra os géneros preocupados com a grandeza cívica e nacional (epopeia, tragédia, eloquência) e que mostraram a emergência de um sujeito que deseja (poesia elegíaca, ficção romanesca, entre outros). Os primeiros discursos de Cícero, que datam da ditadura de Sila, e a sua correspondência colocam um termo à raridade de fontes, as quais se tornam, de 80 a.C. à morte de Augusto, no ano 14 da nossa era, relativamente ricas em informação. Atribuiremos, em particular, um grande espaço à poesia elegíaca, que é a aparição literária da subjectividade nas épocas ciceroniana e augustiana; depois, à escrita ficcional em prosa de Petrónio e Apuleio na época imperial, onde poderemos ver a parte oculta dos desejos sexuais. Estes dois escritores, que abordaram o domínio da sexualidade, não se preocupam em definir o que são os erotica, em desvendar o mistério do acto sexual ou em definir claramente o que é permitido e o que é proibido. Interessam-se mais pela análise do encontro com o outro nesse terreno delicado. O sexo é tido como uma pulsão essencial do ser humano e como orientador de muitos dos seus comportamentos, tal é a intuição de alguns desses escritores, muito antes de Freud. O período dos imperadores júlio-claudianos e flavianos (de 14 a 96 d.C.) é tratado sobretudo pelos historiadores Tácito e Suetónio. Estes permitem abordar a vida sexual dos imperadores e da família imperial. Quanto ao final do primeiro e ao início do segundo século da nossa era, Tácito e Plínio, o Jovem, constituem as nossas fontes principais. Relativamente ao século segundo, as fontes literárias tornam-se raras». In Géraldine Puccini-Delbey, A vida sexual na Roma Antiga, 2007, Edições Texto e Grafia, tradução de Tiago Marques, 2010, Lisboa, ISBN 978-989-828-515-7.

Cortesia de TGrafia/JDACT