segunda-feira, 25 de julho de 2016

A representação medieval dos tempos troianos na versão galega da Crónica Troiana de Afonso XI. Pedro Chambel. «O Roman de Troie insere-se na denominada Matéria Antiga, sendo esta constituída por um conjunto de obras em verso, elaboradas no século XII»

Cortesia de wikipedia e jdact

O Manuscrito Galego da Crónica Troiana
«A tradução galega da versão do Roman de Troie de Afonso XI foi concluída em 20 de Janeiro de 1373, conforme consta do manuscrito dez mil duzentos e trinta três da Biblioteca Nacional de Madrid, tendo sido mandada efectuar pelo conde galego Fernam Pérez de Andrade, o Bom. Segundo Ramón Lorenzo, a versão prosificada castelhana de Afonso XI não foi efectuada directamente a partir do poema de Benoit de Saint-Maur, uma vez que para este investigador ter-se-ia realizado, inicialmente, uma tradução deste em Portugal ou na Galiza. Assim, esta última, hoje desaparecida, encontra-se na origem da versão castelhana posteriormente efectuada, que, por sua vez foi depois traduzida para galaico-português, constituindo a obra que será objecto do nosso estudo. Do manuscrito que chegou até nós falta o primeiro caderno de oito fólios.
O manuscrito galego encontra-se amputado da parte inicial, começando a narrativa com o relato da preparação da primeira destruição de Tróia, promovida por Hércules, assim como de todo um capítulo, o que nomeia as treze províncias do Oriente. No que respeita à comparação da versão castelhana de Afonso XI com o Roman de Troie, Ramón Lorenzo considera que aquela segue com fidelidade o texto francês, embora não se trate de uma tradução servil, uma vez que não só adapta o verso às características da prosa e às vezes traduz livremente, como ainda constata a existência de diversas interpolações, por vezes, amplas, mudanças de lugar na colocação do conteúdo, assim como das citações das fontes latinas, e, o mais importante, numerosos erros de interpretação. Desconhecendo-se a versão francesa que lhe serviu de fonte, assim como a intermédia tradução galega ou portuguesa, não nos é possível saber se tais incorrecções se encontravam já nas versões anteriores ou se foram da responsabilidade do tradutor castelhano. No entanto, Ramón Lorenzo descarta a hipótese de uma versão francesa prosificada se encontrar na origem da inicial versão galega ou portuguesa. No que respeita à obra que se encontra na origem do manuscrito que iremos analisar, o Roman de Troie, ele foi escrito no século XII por um clérigo, Benoit de Saint-Maur, que se supõe ter frequentado a corte anglonormanda de Henrique Plantagenêt e de sua mulher, Leonor de Aquitânia, e ter sido o autor ao qual o monarca mandou compor a Chronique dês ducs de Normandie.

Contextualização da Versão Galega da Crónica Troiana. A Matéria Antiga
O Roman de Troie insere-se na denominada Matéria Antiga, sendo esta constituída por um conjunto de obras em verso, posteriormente prosificadas, elaboradas no século XII em língua vernácula, e relacionadas pelas temáticas abordadas. Na verdade, todas elas reportam-se a temas da Antiguidade Clássica, assumindo-se, no seu conjunto, como uma das manifestações mais arcaicas do roman em França. Se os autores dos romances que compõem a Matéria Antiga trataram temas da Antiguidade, tomando como modelo os autores clássicos, que não deixam de citar nas suas obras como testemunho da autenticidade histórica que pretendiam transmitir das suas produções, eles não os seguiram com servilismo, mas recriaram, a partir das fontes, um mundo antigo imaginário, nomeadamente, ao introduzir elementos próprios da sua época.
Ora, os textos do Ciclo Antigo encontram-se na origem da transição, então operada, da canção de gesta para o roman, reflectindo uma mutação a nível de auditório entre os dois géneros, relacionada com a evolução, então verificada, na sociedade medieval. Neste sentido, o roman de temática clássica, sendo dirigido para um público formado por nobres, cavaleiros, damas e clérigos, reflecte o gosto e os ideais próprios do auditório cortês a que era dirigido, acabando por transmitir uma imagem social que segue os modelos ideais do feudalismo. É certo, porém, que teremos de esperar pelos romances de temática arturiana para que tal desígnio se concretize na sua plenitude, uma vez que os do Ciclo Antigo ainda apresentam características próprias da épica. Neste sentido, nas obras que a este pertencem, adquirem particular relevância a descrição pormenorizada dos combates, das armas e armaduras dos combatentes, das embaixadas, dos conselhos de guerra e os elogios fúnebres dos heróis, entre outros elementos que reflectem a presença de tópicos que remetem para os relatos épicos. No entanto, a lírica dos trovadores da França meridional, que difundia a nova concepção do amor cortês, acabou por influenciar os romances entretanto produzidos, contribuindo de forma decisiva para o seu desenvolvimento e caracterização. Na verdade, conjuntamente com as narrativas das vicissitudes guerreiras, surgem as do amor cortês, ganhando particular relevo as personagens femininas, assim como os ingredientes característicos do fin’amour: amor, esquecimento, tormentos, traições, remorsos, diálogos amorosos e monólogos dos amantes. Neste aspecto, evidencia-se não só a influência de Virgílio, mas, de forma particular, a de Ovídeo. Como afirma Calos Garcia Gual, o amor passa a ser considerado como um deus, como uma personificação alegórica com antecedentes nos poetas latinos clássicos, ou ainda, como uma força instintiva da natureza, ao mesmo tempo que prevalece uma visão trágica do destino dos amantes e se associa às representações femininas uma visão fatalista». In Pedro Chambel, A representação medieval dos tempos troianos na versão galega da Crónica Troiana de Afonso XI, Instituto de Estudos Medievais, IEM, Ano 4, Nº 5, 2008, ISSN 1646-740X.

Cortesia de IEM/JDACT