domingo, 31 de julho de 2016

Vaticano no 31. Alexandre VI. Volker Reinhardt. «No caso do papa Bórgia, muitas questões permanecem em aberto. Não que faltem hipóteses, suposições ou especulações, mas nem sempre se pode apresentar provas. Para o historiador, reconhecer a falta de conhecimento…»

Cortesia de wikipedia e jdact

Bórgia, o papa sinistro
«(…) A fronteira entre a verdade e a difamação desenfreada não está, em hipótese alguma, delimitada. Embora venha à tona com a devida clareza a que propósitos servem essas histórias escandalosas que circulam por aí, nem tudo o que se diz à boca pequena sobre o papa e sua família tem de necessariamente ter sido inventado, não se pretende de forma alguma favorecer o surgimento de histórias misteriosas. Em vez disso, trata-se de submeter a uma nova investigação todas as referências transmitidas, incluindo os documentos que nos últimos séculos tornaram-se acessíveis pela primeira vez: o que pode ser dado como certo, o que fica em aberto, o que é menos plausível, o que está obviamente errado? Isso soa como um trabalho de detective e, de facto, assemelha-se a ele. É possível ler a história de Alexandre VI e dos Bórgia como um romance policial. Não há nada de aviltante nisso. A revisão de indícios, a consideração de situações sob pontos de vista diferentes e muitas vezes contraditórios e, especialmente, a investigação dos motivos são actividades intelectuais de conotações nobres. Levam aos métodos da crítica das fontes e, com isso, a possibilidades, riscos e limites da história como ciência. E tem mais a oferecer do que meras teorias. Quem conhece Alexandre VI, em suas negociações com embaixadores de potências estrangeiras, e César Bórgia, ao lidar com seus inimigos, é instruído detalhadamente nas artes da propaganda, da manipulação e do engano, e tem todo o direito de tirar conclusões legítimas de que o abismo entre as aparências e a realidade na política persiste até hoje. A história ensina a vida. Mesmo com todas as semelhanças, as investigações a respeito de Alexandre VI e seus familiares apresentam uma diferença crucial em relação ao trabalho de detective. Os romances policiais geralmente acabam com a identificação dos culpados e da revelação de seus motivos. No caso do papa Bórgia, muitas questões permanecem em aberto. Não que faltem hipóteses, suposições ou especulações, mas nem sempre se pode apresentar provas. Para o historiador, reconhecer a falta de conhecimento e até mesmo a incapacidade de compreensão é, portanto, um acto de honestidade. A ideia central deste livro deve ser a tentativa de trazer á luz a árdua verdade histórica, tendo liberdade até mesmo para chegar a outros resultados que não aqueles das pesquisas do autor principal, que se abstém de todo e qualquer julgamento moral. As emoções que, todavia, permeiam o texto referem-se pura e simplesmente a observações, acções e sofrimentos dos contemporâneos. Não será essa discrição uma violação das regras que garantem a exactidão? Não será aqui exigida a expressão piedosa de compaixão para com os perseguidos, expropriados e assassinados? Há três maneiras de contestar. Por um lado, quanto menor for a imposição do autor, mais naturalmente será levado a tomar partido das vítimas. Por outro, os seus contemporâneos, Nicolau Maquiavel, Francesco Guicciardini e Francesco Vettori, só para mencionar três dos mais ilustres, já interpretaram os excitantes acontecimentos do pontificado Bórgia como um objecto que nos obriga a reflectir e conduz a novos universos de ideias. E em terceiro e último lugar, a admiração da posteridade diante do presente não será supostamente menor do que a nossa estupefacção perante Roma e o papado entre 1492 e 1503. Essa estupefacção está no começo de todas as tentativas de compreender Alexandre VI e os Bórgia». In Volker Reinhardt, Alexandre VI, Bórgia, o papa sinistro, 2011, Editora Europa, 2012, ISBN 978-857-960-127-9.


Cortesia EEuropa/JDACT