quinta-feira, 28 de julho de 2016

Alexandre VI. Volker Reinhardt. «Dia e noite, homens armados patrulhavam o terreno. Não era de se admirar que os romanos achassem que a residência papal estava habitada por fantasmas que emitiam incansavelmente sinais luminosos e ruídos».

Cortesia de wikipedia e jdact

Bórgia, o papa sinistro
«O pontificado de Alexandre VI foi marcado por escândalos. Começando pela maneira indecorosa como o cardeal Rodrigo Bórgia passou a ocupar a cátedra de Pedro. Mesmo observadores imparciais dão conta de uma eleição comprada. Bórgia dispunha dos mais ricos prestimónios e prometia-os aos seus eleitores estrategicamente, com uma falta de escrúpulos que deixava os cardeais atónitos. O maior símbolo de pompa e ostentação da sua colecção de cargos, o posto de vice-chanceler da Santa Sé, foi conferido ao seu principal assistente eleitoral, o cardeal Ascânio Maria Sforza, irmão do duque de Milão, Ludovico. Ascânio, todavia, não ficou satisfeito com o papel de vice-papa, já que tencionava poder tomar, ele mesmo, as grandes decisões. Assim, uma série de graves conflitos foi inevitável. Em Janeiro de 1497, quando o cardeal adoeceu gravemente, muitos viram o veneno do papa no jogo. Embora tenha sobrevivido, a partir daí passou a correr solto o boato do doce pó branco dos Bórgia sempre que um rico prelado morria repentinamente. A família Bórgia também foi vítima de violência. Em Junho de 1497, o filho preferido do pontífice, Giovanni Bórgia, foi assassinado em circunstâncias misteriosas. Seis meses depois, Alexandre anulou o casamento de sua filha Lucrécia. O destino de seu marido seguinte foi mais trágico ainda. Ele foi estrangulado em Agosto de 1500, a mando de César Bórgia, outro filho do papa (e, portanto, seu cunhado). Em audiência com um enviado veneziano, Alexandre VI desculpou-se pelo acto impulsivo do filho, alegando tratar-se de legítima defesa. A impressão de que o Vaticano tornara-se um verdadeiro manicómio espalhou-se por toda a Europa. Era também uma verdadeira fortaleza. Dia e noite, homens armados patrulhavam o terreno. Não era de se admirar que os romanos achassem que a residência papal estava habitada por fantasmas que emitiam incansavelmente sinais luminosos e ruídos. Mas o que eles queriam dizer com isso?
O cúmulo da indignação dos cristãos devotos em toda a Europa deu-se em Agosto de 1498, quando César Bórgia abandona o cardinalato para dar prosseguimento às suas verdadeiras paixões: a guerra e o poder. Alguns anos antes, o Senado da Igreja negou a renúncia de um príncipe da Igreja que queria dedicar seus últimos anos à meditação piedosa longe da cúria. A cor púrpura não pode ser lavada: uma vez cardeal, sempre cardeal. Esse foi o motivo alegado àquela altura. Mas a regra não valia para o filho do papa. Será que ainda havia regras que podiam ser aplicadas aos Bórgia? Essa era a pergunta que se fazia no centro do poder da Itália. Enquanto isso, Alexandre VI tratava de eliminar sumariamente seus adversários políticos. Em Junho de 1502, o antigo senhor de Faenza deposto por César, Astorre Manfredi, foi retirado morto do rio Tibre. Ele tinha apenas dezoito anos. Na capitulação, haviam-lhe prometido salvo-conduto. Por meio desse assassinato, foi extinto o ramo principal da linhagem dos Manfredini. No último dia de 1502, César Bórgia convidou seus comandantes, que pouco antes haviam formado uma aliança contra ele, para um encontro em Senigallia. Parecia que comemorariam a recém-conquistada concórdia. Mas o banquete de réveillon não passou da entrada. Todos foram estrangulados. Para os romanos, o filho do papa passou a ser a própria imagem ambulante da morte. Insultos à sua pessoa eram pagos com a vida, mas, antes disso, a língua dos caluniadores era arrancada, e isso em Roma, onde até então era livre a prática do escárnio e da zombaria. O medo e o terror foram disseminados também por meio das máscaras, atrás das quais César escondia seu rosto. Ninguém devia saber exactamente onde ele estava, o que via, o que sabia.
Todos deviam temer que ele estivesse por perto perscrutando tudo. Para isso, divulgavam-se mensagens sobre a sua assustadora velocidade ao locomover-se. De acordo com observadores, seu lema que me odeiem, contanto que tenham medo de mim poderia ser atribuído a Calígula ou a Nero. Mas será que isso favorecia um nepote, cujo poder estava ameaçado de ruir completamente após a morte do papa da família? Não seria melhor, em vez disso, oferecer uma imagem amigável e cativante para ganhar aliados, ou mesmo defensores, para os momentos de crise? Ou será que os Bórgia estavam determinados a nunca mais abandonar o poder? Como isso poderia funcionar com uma monarquia electiva como o papado, que reinava sobre o Estado Pontifício na Itália Central? Até a própria natureza parecia finalmente se revoltar contra o domínio dos Bórgia. No final de Junho de 1500, uma tempestade destelhou a sala do trono papal. O edifício inteiro desmoronou, Alexandre VI foi soterrado e, pouco tempo depois, resgatado dos escombros apenas ligeiramente ferido. Quando a morte o alcançou, três anos depois, testemunhas juraram nunca terem visto um cadáver inchado de forma tão assustadora. As conclusões não dão margem a dúvidas: o diabo viera buscar seu servo fiel para levá-lo à inquietação eterna do inferno». In Volker Reinhardt, Alexandre VI, Bórgia, o papa sinistro, 2011, Editora Europa, 2012, ISBN 978-857-960-127-9.

Cortesia EEuropa/JDACT