domingo, 24 de julho de 2016

Na Romagna. Paul Strathern. «Após a primeira campanha de Bórgia na Romagna, ele deixara o seu fiável comandante Lorqua encarregado do território conquistado e, desde então, começara a ser criada uma espécie de administração pública»

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Traição e Bluff
«(…) Tal como se esperava, os batedores das forças de Bórgia avistaram Urbino ao início do dia 21 de Junho e não comunicaram nenhuma resistência. Ao final desse dia, após ter percorrido perto de 65 quilómetros em apenas 24 horas, Bórgia entrou em Urbino sem encontrar resistência, acompanhado apenas pela sua guarda pessoal. A tomada de Urbino, e a maneira traiçoeira como ele a levara a cabo, causou indignação generalizada. A família Montefeltro, de Urbino, era tida em grande consideração
por toda a Itália. O pai condottiere de Guidobaldo dirigira campanhas bem-sucedidas em nome de todos os grandes poderes, e a transformação de Urbino em cidade do Renascimento, por ele levada a cabo, era amplamente admirada. A família Montefeltro estava ligada a figuras notáveis de todo o país, tanto a nível cultural como por casamento. O pai de Guidobaldo fora feito duque pelo papa Sisto IV; a esposa de Guidobaldo era uma Gonzaga; ele próprio era próximo do poderoso cardeal Giuliano della Rovere e amigo de Luca Pacioli, o matemático amigo de Leonardo da Vinci.
Com desdém, Bórgia justificou os seus actos traiçoeiros insistindo em que o próprio Guidobaldo é que era o traiçoeiro. Bórgia alegou ter interceptado provas de que Guidobaldo enviara para Camerino ajuda para a cidade se defender do iminente ataque de Bórgia, e é bem possível que isso fosse verdade. De qualquer maneira, não fazia diferença. Guidobaldo, de 30 anos, era um fraco, tanto física como psicologicamente: um político tão inexperiente teria grande dificuldade em opôr-se a César Bórgia, fossem quais fossem as circunstâncias. O facto é que Bórgia seria obrigado a tomar Urbino se tencionava fazer da Romagna um território viável e defensável. Geograficamente, Urbino era a cidade-chave da região. De um só golpe, podia separar a Romagna do Norte da região de Le Marche a sul, assim como cortar as ligações da Romagna a Roma através da Via Flaminia. Controlava também as passagens através dos Apeninos, que ligavam o Adriático à Toscana. As ligações de Florença com a costa ocidental, já tinham sido cortadas com a perda de Pisa e a tomada de Piombino. As suas rotas através dos Apeninos até ao Adriático estavam igualmente cortadas, o que representava uma grave perda para uma cidade cuja riqueza dependia tanto do comércio. Assim que Bórgia tomou Urbino, começou a pilhá-la de forma sistemática, sendo os seus valores transportados por mula para Cesena, a norte, cidade que ele designara como a capital do seu novo ducado. Quando concluiu esta operação, tinha retirado de Urbino obras de arte no valor de 150 000 ducados (quase 1000 vezes do que o salário anual de um funcionário público sénior como Maquiavel), bem como a maior parte da famosa biblioteca e quantidades de jóias e tesouros vendáveis. parte destes valores seria usada para pagar a campanha de Bórgia, mas outra destinava-se a criar a sua administração pública. Ironicamente, o saque a Urbino feito por Bórgia indicava que este via no seu ducado da Romagna muito mais do que uma simples conquista territorial. Ele desejava estabelecer aí a sua governação numa base permanente: iria ser uma potência italiana civilizada.
Após a primeira campanha de Bórgia na Romagna, ele deixara o seu fiável comandante Lorqua encarregado do território conquistado e, desde então, começara a ser criada uma espécie de administração pública. O governo de Bórgia tinha, na maior parte dos casos, substituído pequenas tiranias que eram detestadas pelas populações, e esta conquista fora amplamente saudada. No entanto, como Maquiavel declarara, esta era uma região sem lei, um terreno fértil para os piores crimes, e Lorqua vira-se obrigado a tomar medidas duras para impor a sua autoridade. Se Bórgia pretendia estabelecer um mínimo de vida cívica pacífica no seu novo ducado, isso exigia dinheiro e, por isso, o que representava perda para Urbino representava ganho para a Romagna. Tal como vimos, antes do seu movimento fulminante sobre Urbino, Bórgia tinha mandado uma mensagem à Signoria em Florença, dizendo que pretendia um encontro e que eles deveriam enviar de imediato alguém que estivesse autorizado a discutir um assunto de grande importância. Como resultado, o bispo Soderini e Maquiavel tiveram de atravessar rapidamente as montanhas a cavalo (seguindo em grande parte os mesmos trilhos que Guidobaldo usara na sua fuga), chegando a Urbino ao final do dia 24 de Junho , após o que foram apressadamente conduzidos ao palácio ducal, onde Bórgia os esperava. Desta vez, tinha Florença à sua mercê e, nas palavras de Maquiavel, a cidade tremia de alma e coração em suspenso com a perspectiva de o ver unir forças com Vitellozzo, e, em conjunto com ele, infligir grande infortúnio aos seus cidadãos. Bórgia lançou um discurso veemente e irritado contra a infeliz delegação florentina». In Paul Strathern, O Artista, o Filósofo e o Guerreiro, Da Vinci, Maquiavel e Bórgia e o Mundo que eles Criaram, Clube do Autor, Lisboa, 2009, ISBN 978-989-724-010-2.

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