sexta-feira, 24 de agosto de 2018

A Conspiração do rei James. Phillip Depoy. «O relativo silêncio do ambiente menor deixou-o nervoso. Pior: ali defronte, iluminados apenas por uma vela, todos usavam máscaras. Os mantos de monge, negros como um cano de arma…»

jdact e wikipedia

Cambridge, Inglaterra
«(…) Devemos agora voltar cada um ao seu quarto. Por favor, evacuem o salão. Eu gostaria de falar com o Lively por um instante em particular, se o restante dos senhores nos desculpar. Vários dos homens apressaram-se a mexer-se em direcção à porta. Os demais seguiram um pouco atrás. Só Chaderton voltou a cabeça. Quando o último fechou a porta, Marbury começou: alguém tem de investigar este facto monstruoso..., e o senhor sabe tão bem quanto eu que os vigias locais são inúteis. Está sugerindo que...? Não. Tenho muita consciência da tempestade política que se seguiria se eu fosse o investigador. E isso é uma vantagem para o senhor. Se eu seguisse a linha óbvia de interrogatório, o senhor seria o primeiro suspeito. Eu?, explodiu o outro. Foi quem encontrou o corpo... E você odiava Harrison. Eu dei o alarme. Um gesto perfeito. Com o maior respeito imaginável, disse o académico sem respeito algum, o senhor tem a visão turvada pelo conhaque que tomou. É o que todos dizem. Sentimos no seu bafio.
O rosto de Marbury apresentou uma peça completa, todos os cinco actos em rápida sucessão: raiva, contenção, consideração, calma e inteligência. Quando ele por fim falou, foi como a um colegial: tanto mais razão, então, para um investigador independente, Lively. Deu um suspiro. E, se tomo um pouco de conhaque à noite, é para poder dormir. As preocupações deste mundo se evaporam nos fogos da boa bebida, e vou para a cama como um homem mais calmo. Quase a criança que fui. E agradeço, pois uma boa noite de sono embora minha resposta ao insulto do dia seguinte. Isso permite-me devolver o insulto mais com relutância que com violência. Quando era mais jovem, eu muitas vezes esfaqueava o agressor com a minha adaga. Lively olhou a manga esquerda dele; pendia mais baixo que a direita, lugar perfeito para esconder uma lâmina curta. K percebeu de repente que antagonizar o colega não seria uma prática sadia. Logo, disse, engolindo em seco, tem alguém em mente para essa investigação? Não exactamente, respondeu Marbury com voz seca. Mas, se der sorte, sei onde encontrar.

Na noite seguinte, na rua de pior fama em Cambridge, Marbury hesitou antes de pegar na maçaneta da porta de uma taberna. Vestia-se nobremente, utilizando preto da cabeça aos pés. Com uma capa abaixo dos joelhos, baixara o chapéu na testa. Gostaria de ter-se afastado. Tinha um estranho pressentimento. Apalpou a adaga, bem escondida na dobra da capa. Ao senti-la tranquilizou-se. Ainda assim, no momento exacto em que empurrou e abriu a porta, não teria podido explicar porque o fizera. Os caibros no tecto baixo da lotada casa pública fizeram-no parar ao entrar. Ninguém tomou conhecimento dele. Aquele era um lugar onde as pessoas desviavam deliberadamente os olhos, para que não fossem arrancados da cabeça curiosa. As paredes eram manchadas, raiadas de uma cor pútrida que não tinha nome. O barulho quase cómico, uma acidentada algaraviada humana. Homens, de túnica preta rasgada, meninos de sujos gibões vermelhos, velhos bêbedos em trapos pardos, todos amontoados em torno de longas pranchas, cobertas com toalhas mais ou menos limpas e que podiam hospedar alguma meia realeza de azul-marinho, um duque menor de chapéu vermelho, um lojista de moderada riqueza metido em seda bruta, uma matriarca de avental cinza ardósia. Todos sentavam-se em volta de mesas de longas peças de madeira cor de mel, em bancos de uma só tábua.
Falha, comida velha e cachorros adormecidos cobriam o piso, terra socada da Inglaterra. Onde não havia mesa, ou um homem, havia uma coluna, de seis por seis polegadas de pau áspero, que ajudava a sustentar o tecto prestes a desabar. Marbury ergueu a cabeça por um momento para uma jovem com vestido cor de gengibre atrás do balcão. Ela dardejou com os olhos à direita apenas um instante, na direcção de uma portinha no canto do outro lado da sala. Sem outra comunicação, voltou ao trabalho. O pastor encaminhou-se para a porta. Pegou a maçaneta, inspirou fundo e empurrou a porta com um súbito surto de energia. Viu quando os três homens saltaram dentro do quartinho. Entrou e fechou a porta. O relativo silêncio do ambiente menor deixou-o nervoso. Pior: ali defronte, iluminados apenas por uma vela, todos usavam máscaras. Os mantos de monge, negros como um cano de arma, absorviam a maior parte da luz». In Phillip Depoy, A Conspiração do rei James, Prumo, 2009, ISBN 978-857-927-022-2.

Cortesia de Prumo/JDACT