quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Aposta Indecente. Matilda Wright. «Dois bilhões!, exclamou Marcel de Bachelard em tom chocado com a exorbitância do montante da aposta. Trinta e três vermelho!»

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«(…) Estava um pouco bêbado..., confessou Louis Villeclaire, como se preparasse os amigos para o que se seguiria. Tendo provado a ele próprio que essa era, de facto, uma noite de sorte excepcional e guardando já os 300 francos que acabava de ganhar numa única jogada, foi parado por uma mão que lhe travou o braço. Era Duvernois! Meu jovem marquês! Reparei que ainda agora entrou e já o vejo sair. Uma noite má? Não, muito pelo contrário! Vim provar a mim mesmo que estou invencível..., respondeu com uma gargalhada. Os olhos do velho tabelião brilharam ao ouvi-lo dizer tal coisa e ali mesmo o desafiou para uma aposta absurda com o argumento de que não havia homens invencíveis, nem sequer por uma única noite. Villeclaire que escolhesse um número, sem fichas na mesa. Ele, Duvernois, escolheria outro. Se nenhum deles acertasse a coisa ficaria por aí mesmo, aprendendo Villeclaire que Duvernois tinha razão quanto à impossibilidade de se ser absolutamente invencível. Se algum deles acertasse, receberia do outro dois bilhões de francos... Dois bilhões!, exclamou Marcel de Bachelard em tom chocado com a exorbitância do montante da aposta. Trinta e três vermelho!, disse Villeclaire, e ainda acrescentou: contra todos os outros números, Duvernois. Hoje estou especialmente generoso. Os quatro rapazes soltaram exclamações de horror. E Gaston não se conteve: um pouco bêbado, Louis? Estava completamente embriagado... Villeclaire não lhe respondeu e continuou contando aos amigos que esse número lhe veio à cabeça por ser a idade de madame Bousquet; e a cor? Ah! A cor do vestido que essa senhora usava nessa noite e espalhava nos cabelos ruivos um ardente tom de fogo. Era um cavaleiro e, por isso mesmo, dispensou-se de acrescentar que eram também de fogo os beijos que trocou com ela, no jardim, enquanto o marido jogava bilhar e fumava charutos no aconchego elegante da sala de fumo dos condes de Balac. Depois dos beijos, escondidos numa estufa de plantas, os dedos dela desapertaram um a um os pequenos botões de madrepérola que fechavam as calças de Louis, libertando-lhe o sexo. Ajoelhando-se na relva, lambeu-o. Primeiro, delicadamente, passeando a língua ao longo daquele tronco duro e enorme, enquanto o marquês lhe segurava os seios, com violência. Depois, rolaram os dois pelo chão, numa confusão de saias de seda. Ela gemia de desejo, pedindo que a possuísse. Mas Louis prolongava-lhe o prazer explorando com os dedos o interior do seu ser até que, finalmente, lhe tapou a boca com a sua, entrelaçando a língua, e deixou que a sua virilidade explodisse dentro dela, fazendo arquear o corpo. Ah! Tinha sido maravilhosamente selvagem… Mas era uma recordação íntima e que um homem bem-educado nunca dividiria com ninguém, nem com os seus melhores amigos. E?..., perguntou Gaston Montblanc. E saiu o 33 vermelho..., disse Louis Villeclaire. Todos ficaram em silêncio perante tamanha temeridade. E o estouvado marquês prosseguiu com a sua história: dois dias depois passou pelo gabinete de Duvernois, na Rue des Francs Bourgeois, para cobrar a dívida, e o velho tabelião confessou-lhe não ter o dinheiro disponível. Mas logo ali se prontificou a assinar uma nota de dívida, a vencer daí a duas semanas, em 18 de novembro de 1857. Amanhã..., sussurrou Laurent de Juy. Villeclaire continuou a contar os pormenores do negócio que, por vontade Duvernois, tinha ficado estabelecido em escritura pública feita perante um outro tabelião, amigo do devedor. Se, na data combinada, Duvernois continuasse a não ter disponível a quantia devida, os dois bilhões de francos, todos os seus bens passariam para a posse de Villeclaire. Por isso, meus amigos, bebamos! Esta noite fiquei dois bilhões de francos mais rico e, passada uma semana de luto, como manda a decência, tenciono visitar a família do bom Duvernois para apresentar condolências e..., cobrar a minha dívida! Família? Será que o Duvernois tem família?, perguntou Gaston Montblanc. Sabemos que vivia numa bela casa na Rue des Archives e que tinha gabinete na Rue des Francs Bourgeois. Mas família? Nunca ouvi falar... Vocês ouviram? Todos concordaram que, apesar de Duvernois ser um homem conhecido em todos os locais de Paris onde houvesse apostas, nunca ninguém tinha visto a família. Nem sequer tinham ouvido falar... Nem nas corridas de cavalos de Chantilly apareceu alguma vez com a mulher, lembrou Marcel. Pierre soltou uma gargalhada: e nunca o vimos em nenhum lado onde houvesse mulheres! O velho era louco por cavalos e mesas de jogo, mas mulheres... Haverá, certamente, uma velha e simpática madame Duvernois escondida na casa da Rue des Archives. Ou, no pior dos casos, um procurador qualquer que agora trate dessas minúcias, disse Louis». In Matilda Wright, Aposta Indecente, 2011, Editor Livros d’Hoje, Publicações dom Quixote, 2011, ISBN 978-972-204-776-0.
                            
Cortesia de Ld’Hoje/JDACT